Por que a China venceu e o Brasil perdeu?
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Por que a China venceu e o Brasil perdeu?Enquanto eles protegiam suas indústrias, nós sacrificávamos as nossas no altar da estabilizaçãoVocê sabia que no início dos anos 1980 a produção industrial brasileira era maior do que a chinesa e a coreana somadas?
Produção industrial em dólares correntes (1960–2020). Em 1980, o Brasil produzia mais do que China e Coreia somadas. Quarenta anos depois, a China virou a maior potência industrial do mundo. Pois é. Exportávamos todo ano mais do que esses dois países, hoje ícones de sucesso de desenvolvimento econômico no mundo. Éramos capazes de produzir tanques de guerra com computadores embarcados, carros nacionais competitivos, material ferroviário completo e até aviões. Mas aí veio a década de 1990, e enquanto a China protegeu, nutriu e fortaleceu suas indústrias para depois lançá-las no mundo, nós fizemos exatamente o oposto: jogamos o bebê fora junto com a água do banho. Hoje vou te mostrar por que a China nos ultrapassou e o que o Brasil fez de errado na abertura comercial dos anos 90. Vamos entender essa história. Em 1980 estávamos empatados. Hoje, a China nos deu dois golpes fatais.No início da década de 1980, nossa produção industrial era maior do que a chinesa e coreana somadas, e individualmente exportávamos mais do que cada um desses países. → Tínhamos empresas como Engesa, que produzia o tanque Osório com tecnologia de ponta mundial (um dos primeiros do mundo a usar um computador de 21 bits embarcado); → Gurgel, que fabricava carros nacionais; → Mafersa, maior fabricante de material ferroviário; → Villares, que desenvolvia máquinas pesadas fazendo frente à Caterpillar. Chegamos ao ápice de nossa sofisticação tecnológica nos anos 1980. Mas aí veio a abertura comercial e estabilização dos anos 1990, e a China nos aplicou dois golpes simultâneos:
Custo médio da hora trabalhada na manufatura (US$ correntes, 1996–2015). Enquanto o custo industrial explodia no Brasil, a China mantinha salários competitivos e ganhava escala global.
O que a China fez nos últimos 30 anos foi exatamente o contrário do que fizemos no Brasil. Enquanto a China jamais seguiu a terapia de choque neoliberal e manteve controles graduais, investimentos públicos maciços e um câmbio deliberadamente competitivo para proteger sua indústria nascente, o Brasil implementou a ancoragem cambial da era FHC que controlou nossa inflação mas desferiu um golpe quase mortal em nossas indústrias domésticas. Combinamos três ingredientes tóxicos: → Câmbio super valorizado → Juros astronômicos → Abertura comercial abrupta. A China protegeu suas empresas durante décadas, investiu pesado em pesquisa e desenvolvimento, criou campeãs nacionais e só depois as lançou para conquistar o mundo. Nós fizemos o inverso: na abertura dos anos 1990, a maioria das empresas brasileiras com grande acervo tecnológico quebrou. Perdemos milhares de capacidades produtivas que poderiam ter sido desenvolvidas para conquistar o mundo. Jogamos fora empresas que poderiam ter se tornado as Huawei e Xiaomi brasileiras.A Engesa, que exportava blindados para 18 países e tinha vantagem tecnológica sobre tanques americanos, entrou em concordata em 1990 e faliu em 1995. A Gurgel, que estava incomodando as grandes montadoras multinacionais com seus carros competitivos, foi à bancarrota depois que o governo cortou financiamentos e abriu isenções fiscais para as montadoras estrangeiras. A Mafersa desapareceu. A Villares, riquíssimo grupo industrial, hoje é uma mera subsidiária austríaca. Enquanto isso, a China criava Huawei, Honor, Xiaomi, OPPO, Vivo, Haier, Galanz e centenas de outras gigantes. Empresas chinesas que em 2010 nem existiam já estão entre as mais vendidas globalmente. A Haier adquiriu a divisão de eletrodomésticos da General Electric por 5,4 bilhões de dólares em 2016. A Huawei domina 23% do mercado europeu de smartphones. Controlamos nossa inflação, mas matamos nossa complexidade econômica, sofisticação produtiva e capacidades técnicas. A economia brasileira “desaprendeu” enquanto a China se tornava a fábrica do mundo.Pesquisas mostram que na América Latina dos anos 1990, o pequeno aumento de produtividade dentro das empresas sobreviventes foi bem menor do que a transferência massiva de trabalhadores de setores de alta produtividade para setores de baixa produtividade. Milhares de brasileiros saíram de empregos em manufaturas e serviços empresariais sofisticados e foram parar em serviços não sofisticados como varejo, restaurantes e cabeleireiros. Nossa estrutura produtiva regrediu brutalmente. Perdemos enorme espaço para China e Coreia do Sul, que seguiram a estratégia oposta: transferiram trabalhadores do campo para a indústria, construíram cadeias produtivas complexas e conquistaram mercados mundiais. A China passou décadas construindo capacidades produtivas locais, sempre com uma política cambial ultra-agressiva que favorecia suas exportações. O Brasil de hoje tem praticamente o mesmo nível de complexidade dos anos 1980, enquanto a China se tornou a segunda maior economia do mundo e está prestes a se tornar a primeira.
capComplexidade Econômica da China (ECI, 1965–2015). Depois de cair até os anos 1990, a China deu um salto de sofisticação tecnológica sem precedentes. O padrão latino-americano: câmbio valorizado, crise e regressão tecnológica.O padrão que vimos na América Latina dos anos 1990 foi desastroso: sobrevalorização cambial seguida de crise, destruição industrial e especialização regressiva em commodities. A Argentina com seu plano de conversibilidade, o México com a crise da tequila em 1995, o Chile nos anos 1970 e 1980 todos repetiram o mesmo erro de usar âncora cambial para estabilização sem proteger o tecido produtivo. O Chile só começou a melhorar quando seu Banco Central passou a adotar postura intervencionista no mercado cambial para evitar apreciações excessivas, e as exportações não tradicionais saltaram de 8% para 20% entre 1970 e 1989. Enquanto a América Latina passava por ciclos sucessivos de apreciação cambial e crises, os asiáticos se concentravam em export-led growth, estimulando permanentemente o setor manufatureiro com câmbio competitivo, crédito subsidiado e políticas industriais agressivas. A grande diferença entre Ásia e América Latina está na administração macroeconômica e no regime de comércio. Substituímos um projeto de nação por uma obsessão: controlar a inflação a qualquer custo.Essa é a mudança mais profunda dos anos 1990. O Brasil abandonou completamente a ideia de ter um projeto de país, infraestrutura estratégica, desenvolvimento tecnológico e industrialização planejada. Tudo foi substituído por uma única obsessão: estabilização de preços. Ficamos tão traumatizados com a hiperinflação que nunca mais conseguimos reconstruir projetos de desenvolvimento. Há 30 anos aplicamos sucessivos planos de estabilização, sacrificando crescimento e sofisticação produtiva. A China nunca abandonou seu projeto de longo prazo jamais permitiu que a estabilização monetária destruísse suas capacidades industriais. Manteve empresas estatais estratégicas, investiu trilhões em infraestrutura e tecnologia, protegeu setores nascentes e construiu campeãs nacionais. O resultado? A China nos ultrapassou de forma avassaladora e hoje domina cadeias produtivas inteiras globalmente. A lição que não podemos esquecer: desenvolvimento não é só inflação baixa.O que temos hoje? Inflação controlada, mas regressão tecnológica e produtiva profunda. Viramos fornecedores de commodities para a China e importadores de manufaturas chinesas. A escolha que a China fez nos anos 1980 e 1990 foi pelo gradualismo, proteção industrial estratégica e câmbio competitivo. Nossa escolha foi pela terapia de choque, abertura abrupta e câmbio sobrevalorizado. O resultado está aí: em 1980 estávamos empatados; hoje, eles são a segunda maior economia do mundo e nós regredimos. Não precisava ter sido assim. Outros países mostraram que é possível estabilizar sem destruir capacidades produtivas. Mas para isso é preciso pragmatismo, visão de longo prazo e, acima de tudo, um projeto nacional de desenvolvimento que vá além da simples obsessão por inflação baixa. P.S.: “Mas Paulo, não era inevitável que a China nos ultrapassasse por causa do tamanho da população?” Não. Em 1980 estávamos empatados em produção industrial. A diferença não foi demográfica—foi estratégica. Eles protegeram, nutriram e fortaleceram. Nós abrimos, privatizamos e destruímos. Na nossa Escola de Complexidade Econômica, você vê exatamente onde erramos e o que eles fizeram certo. Acesse os 16 cursos aqui. P.P.S.: Fique atento! Na semana da black friday vou abrir matrículas para a última turma de 2025 da nossa Escola de Complexidade Econômica. Após essa data, novas matrículas só em 2026. ~ Abraços, Paulo Gala | A A |
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