É possível reindustrializar o Brasil?

 

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É possível reindustrializar o Brasil?

5 perguntas que ninguém tem coragem de responder


Você já deve ter ouvido que o Brasil precisa se reindustrializar.

Mas será que realmente queremos fazer isso?

Entre 1960 e 1990, construímos uma das estruturas industriais mais complexas do mundo em desenvolvimento. Criamos a Embraer, a Petrobras, o BNDES.

Dominávamos tecnologias que hoje importamos.

Como bem observou José Gustavo Pauro, aluno da nossa Escola de Complexidade Econômica:

‘Gostaria de ter vivido naquela época, quando o país possuía objetivos nacionais claros e factíveis’.

Ele se referia ao governo Vargas, mas a frase vale para todo esse período de construção.

Nossa indústria chegou a representar 25% do PIB.

Hoje mal chegamos a 10%, enquanto China e Coreia mantêm 30%, e até países ricos como Alemanha e Japão sustentam 25%.

Viramos, nas palavras cruas de economistas, “a economia das padarias, dos cabeleireiros e dos motoristas de Uber” – serviços sem escala, sem produtividade, sem desenvolvimento tecnológico.

Reindustrializar exige enfrentar perguntas brutais que nossa elite política e empresarial finge não existir.

Hoje vou fazer as 5 perguntas que ninguém quer responder sobre a reindustrialização do Brasil.

Pergunta 1: Temos burguesia nacional ou só rentistas disfarçados?

A China teve seus mandarins comunistas obsessivos por tecnologia.

A Coreia teve seus chaebols nacionalistas.

Até o Vietnã tem seus “tigres vermelhos” disputando mercados globais.

E o Brasil?

Nossa “burguesia industrial” vendeu a Cofap, a Metal Leve, a Embraco.

Os grandes fundos como BlackRock e Vanguard controlam pedaços cada vez maiores da nossa economia. Nossos empresários preferem ganhar 15% ao ano em títulos públicos a investir em fábricas.

Como disse um economista em conversa recente: “Desenvolvimento depende de construção local e nacional de capacidades tecnológicas. Mas quem vai liderar isso se nossa elite empresarial só pensa em rentismo?”

A verdade inconveniente: sem capitães de indústria dispostos a competir globalmente, reindustrialização é conversa.

Hoje, francamente, não temos essa burguesia.

Pergunta 2: Vamos aceitar trocar rentismo por produção?

O Brasil paga os juros reais mais altos do mundo.

Enquanto nossos economistas ortodoxos defendem isso como “responsabilidade fiscal”, a realidade é simples e brutal: por que alguém investiria em uma fábrica com retorno incerto de 10% ao ano quando pode ganhar 8% garantido em títulos públicos?

Por que desenvolver tecnologia quando especulação imobiliária rende mais? Por que arriscar na produção quando o rentismo é subsidiado pelo Estado?

Como explicam os dados de complexidade econômica, sobrevalorizações cambiais reduzem substancialmente a lucratividade da produção e investimento nos setores manufatureiros.

Nosso câmbio valorizado é um subsídio implícito ao rentismo e uma punição à produção.

Aceitar mudar isso significa aceitar um período de ajuste doloroso. Quem está disposto?

Pergunta 3: Conseguiremos fazer política industrial antes da transição energética passar?

O mundo está redesenhando suas cadeias produtivas agora.

A corrida por minerais críticos, baterias, hidrogênio verde e semicondutores já começou. China, Estados Unidos e Europa estão investindo trilhões nessa nova economia.

O Brasil ainda debate se política industrial é “intervencionismo”.

Até o FMI publicou um trabalho admitindo que “as prescrições padrão de política de crescimento não são suficientes” e que se deve reconhecer “o papel proeminente da política industrial.”

Mas aqui ainda tratamos política industrial como palavrão, como se o Estado pudesse ser neutro enquanto outros países usam todos os instrumentos para dominar as tecnologias do futuro.

A janela está se fechando.

Se não construirmos capacidades na economia verde nos próximos 5 anos, seremos fornecedores de lítio bruto enquanto outros fabricam baterias. Exportaremos nióbio enquanto outros produzem supercondutores.

A questão é se ainda temos tempo.

Pergunta 4: A desindustrialização é reversível ou já passou do ponto de não-retorno?

Os números são impiedosos: o Brasil perdeu US$ 100 bilhões de produção industrial depois de 2014. É uma das maiores desindustrializações em valores absolutos do mundo.

O problema é mais profundo que números.

Como mostram as pesquisas sobre complexidade econômica, perdemos o que economistas chamam de “capacidades produtivas” – o conhecimento tácito, as redes de fornecedores, os engenheiros especializados.

É como desmontar um relógio suíço: mesmo tendo todas as peças, quem sabe montá-lo de volta?

A desindustrialização brasileira foi prematura e patológica.

Destruímos cadeias produtivas inteiras que levaram décadas para construir. A Indonésia, que estava atrás de nós nos anos 1970, hoje exporta mais manufaturas complexas.

A pergunta honesta: ainda temos massa crítica para reverter isso ou viramos definitivamente um Brasil de serviços precários?

Pergunta 5: Queremos mesmo pagar o preço?

Sejamos brutalmente honestos sobre o que reindustrialização significa de verdade.

Significa aceitar um período de câmbio mais desvalorizado, e sim, isso encarece viagens e iPhones. Significa direcionar crédito para produção em vez de consumo. Significa formar engenheiros em vez de bacharéis em direito.

→ Significa o Estado escolher setores prioritários, e sim, alguns darão errado.

→ Significa proteger temporariamente algumas indústrias, com metas e prazos.

→ Significa confrontar o rentismo estabelecido.

China, Coreia, Taiwan e Vietnã pagaram esse preço.

Subsidiaram suas indústrias, manipularam câmbio, distorceram preços, forçaram transferência de tecnologia. Foi difícil, controverso, cheio de erros.

Mas funcionou.

A pergunta final é política: o Brasil está disposto a fazer escolhas difíceis por 20 anos para construir uma economia complexa?

Ou preferimos o conforto da mediocridade, exportando soja e minério enquanto importamos tudo que tem alguma sofisticação?

A resposta honesta

Tecnicamente, sim, é possível reindustrializar o Brasil.

Ainda temos capacidades em setores estratégicos: Embraer, Petrobras, WEG, o complexo industrial de saúde.

Temos escala de mercado, recursos naturais estratégicos para a transição energética, e uma posição geopolítica que nos favorece no contexto de reorganização das cadeias globais.

Mas socialmente e politicamente?

As evidências não são animadoras. Nossa elite prefere rentismo à produção. Nossa política econômica continua obcecada com estabilidade de curto prazo em vez de transformação estrutural.

E nossa sociedade parece mais interessada em debater o passado que construir o futuro.

Curiosamente, enquanto o Brasil nos anos 1980 tinha estrutura industrial comparável à da Coreia do Sul, hoje observamos trajetórias completamente divergentes.

Compreender exatamente como e por que essas duas economias, partindo de condições similares, seguiram caminhos tão opostos revela mecanismos de catching-up e armadilhas de renda média que raramente são analisados em sua totalidade, mas que se tornaram essenciais para qualquer análise séria sobre desenvolvimento econômico.

A reindustrialização do Brasil exige algo que não temos demonstrado: coragem para escolhas difíceis e persistência para sustentá-las por décadas.

O relógio está correndo.

P.S.: “Reindustrialização não é apenas nostalgia dos anos 70?” Não. É sobrevivência na transição energética. China, EUA e Europa investem trilhões em minerais críticos, baterias e hidrogênio verde AGORA. Se não construirmos capacidades nos próximos 5 anos, seremos fornecedores de lítio bruto enquanto outros fabricam baterias. A nossa Escola de Complexidade Econômica mostra por que a janela está se fechando. Clique Aqui para saber mais!

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Abraços,

Paulo Gala

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