SAÚDE
A A | BRICS tomarão a dianteira no combate à tuberculose?Criou-se um vácuo preocupante após cortes no financiamento de programas da OMS para controle e tratamento da doença. Mas o bloco tem condições, por meio de suas redes, centros e institutos de pesquisa, de enfrentar a infecção que mais mata no mundo Por Afrânio Kritski, Maria Claudia Vater e Ezio Tavora* A tuberculose (TB) é a doença infecciosa que mais mata no mundo. Estima-se que cerca de um quarto da população mundial já tenha sido infectada pela bactéria causadora da TB. Em 2024 10,8 milhões de pessoas adoeceram de TB e mais de 400 mil desenvolveram formas resistentes aos antimicrobianos. Neste período, estima-se que 1,25 milhão de pessoas morreram em decorrência da TB, incluindo 161 mil pessoas vivendo com HIV. Apesar destes números dramáticos, os países signatários dos compromissos de 2018 e 2023 não fizeram os aportes financeiros acordados. A situação atualmente foi agravada pelos novos cortes de financiamento da OMS com a retirada do financiamento dos Estados Unidos da liderança e do compromisso internacional de suporte a pesquisa, desenvolvimento tecnológico e pactuação de estratégia internacionais conjuntas para o enfrentamento e eliminação da tuberculose, atingindo diretamente o Programa Global de Tuberculose (GTB) da OMS. Com os cortes orçamentários para o GTB em 2025, associados aos riscos de uma iminente fusão dos programas globais das doenças infecciosas na OMS e a possível transferência do mesmo Programa para uma das regiões das Nações Unidas, muito provavelmente retirará a tuberculose do centro das articulações políticas internacionais e reduzirá drasticamente sua agilidade, capacidade de resposta, inclusive as suas condições para alcançar os recursos necessários para o enfrentamento da doença. O impacto dessa modificação logo se fará visível, obliterando a resposta efetiva à TB ocorrida após a II Guerra Mundial. Com o desenvolvimento de novos fármacos para a doença e adoção de esquemas terapêuticos eficazes na década de 60 do século passado, observou-se uma rápida queda da mortalidade. Até o início da década de 80 havia se formado um consenso entre os formuladores de políticas públicas na área da saúde em países centrais/desenvolvidos que enfim a humanidade havia vencido a luta contra a tuberculose. E ao final da década de 70, em nível global, foram fechados os sanatórios, as organizações filantrópicas/não governamentais e deixou de ser prioridade para as Universidades, para as Sociedades Biomédicas, para a mídia e portanto, passou a ser percebida pela população leiga como “algo do passado”. Entretanto, como ocorreu na Revolução Industrial no século XIX, houve um recrudescimento da tuberculose no final da década de 80, nos países periféricos (baixo e médio desenvolvimento econômico) agravado pela da crise econômica resultante da crescente adoção de políticas neoliberais, associada ao empobrecimento da população, más condições de moradia, insegurança alimentar e desemprego e nos países centrais pertencentes ao G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) um aumento da TB e TB droga resistente (TB-DR) associado à epidemia da infeção por HIV/aids. No início da década de 90, observou-se também um aumento da TB e TB-DR associada ao HIV em países periféricos, em sua grande maioria nos países africanos. O BRICS+Em 2024, durante a presidência do bloco pela Federação Russa, foi formalizada a inclusão de sete novos membros plenos: a Arábia Saudita, os Emirados Árabes, o Egito, a Etiópia, o Irã e recentemente a Indonésia, assim como novos membros parceiros: Bielorússia, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. No cenário global atual, os BRICS+ representam 40% da população global e 40% do PIB mundial (segundo o Banco Mundial) e passaram a ter maior projeção. Essa expansão do bloco visa fortalecer a cooperação entre países emergentes e em desenvolvimento, reestruturando a ordem internacional, buscando benefícios compartilhados, na direção de um mundo multipolar. Desde 2008, sob um sistema de presidência rotativa, os BRICS têm reavaliado seu papel no cenário global ao final de cada ano, durante as reuniões anuais dos chefes de Estado, abordando diferentes temas de interesse comum. No intuito de agilizar as atividades dos BRICS foram criadas quatro redes na área da Educação (BRICS Academic Forum em 2008; BRICS Network University-2015; BRICS Scientific and Educational Centers/ANEC BRICS-2015; BRICS+ Universities/BUA-2023) e três redes em Ciência Tecnologia Inovação e parceria empresarial (BRICS Working Group on Science, Technology, Innovation and Entrepreneurship Partnership/STIEP WG-2016; BRICS Institute of Future Networks-2018 e, BRICS Partnership on New Industrial Revolution Innovation Center/PNIR-2020). Na área da saúde, em 2017 estabeleceu-se a Rede de Pesquisa em Tuberculose (TB), em 2019 foi firmado um Memorando entre Autoridades Reguladoras de Produtos Médicos dos BRICS; em 2022 foi criado o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas dos BRICS e recentemente foram iniciadas articulações entre os Institutos Nacionais de Saúde Pública dos BRICS. Neste ano de 2025, o governo brasileiro assumiu a presidência rotativa anual dos BRICS, e definiu para julho a reunião dos Chefes de Estado, na cidade do Rio de Janeiro. Na semana passada, nos dias 14 a 15 de maio foi realizada em Brasília a 18ª Reunião da Rede de Pesquisa em Tuberculose dos BRICS quando foram estabelecidas importantes discussões em Brasília para acelerar a eliminação da TB por meio da Inovação, desenvolvimento, produção e avaliação de insumos e equipamentos de saúde, como: vacinas, medicamentos e plataformas diagnósticas, além de fortalecer novas estratégias que aumentem a efetividades das ações de prevenção, diagnóstico e tratamento nos sistemas de saúde dos BRICS. A OMS já declarou que o investimento no combate à tuberculose representa um retorno econômico para a sociedade como um todo de US$ 43 para cada dólar investido na prevenção, diagnóstico e tratamento. Todavia, nesta mesma reunião, a Diretora do Programa Global para a Tuberculose (GTB) da Organização Mundial da Saúde (OMS), Dra Tereza Kasaeva, relatou a grave situação que o GTB/OMS está enfrentando, devido à recente retirada do aporte financeiro de instituições do Governo dos EUA (USAID/CDC). Representava 65% do orçamento geral do Programa, na ordem de U$ 10 milhões/ano, e sua retirada inviabiliza as ações de condução e promoção das ações e políticas globais de enfrentamento à doença, caso não haja o aporte financeiro para cobrir os custos ainda em 2025. Conforme destacado pela dra. Kasaeva, O GTB/OMS tem a missão de estabelecer as diretrizes globais e responder às emergências neste campo da saúde. O Programa teve importante papel durante a pandemia de covid-19 ao monitorar e identificar ações rápidas para manter minimamente as atividades assistenciais e de pesquisa em tuberculose. No período de 2020 a 2021, houve interrupção de 70% dos serviços relacionados a prevenção, diagnóstico e tratamento da TB em todo o mundo, em função da alocação de recursos humanos e financeiros para combater a pandemia. Nas últimas duas décadas, sob a coordenação do GTB/OMS, ações de prevenção, diagnóstico e tratamento de TB e TB-DR (TB com cepas resistentes aos antimicrobianos) salvaram cerca de 80 milhões de pessoas. Desta forma, têm desempenhando um papel singular no estabelecimento como liderança global estratégica na luta contra a doença, coordenando todos os principais interessados, sejam entidades públicas ou não governamentais, desenvolvendo diretrizes baseadas em evidências para promoção dos cuidados em TB, bem como colaborando com um importante suporte técnico aos países na sua implementação, com monitoramento e avaliação da epidemia global por meio de relatórios globais anuais de 200 países e relatórios mensais de 100 países. A retirada do financiamento do GTB coloca em risco todo o esforço da OMS para redução da carga global da tuberculose, ameaçando uma regressão dos avanços obtidos nos últimos 20 anos sendo que a maior parte dos casos TB ocorre em países de baixa e média renda — sendo cerca de 50% registrados nos países do BRICS+. Apesar das Reuniões de Alto Nível de 2018 e 2023 consolidaram o compromisso dos Estados-membros com o aumento expressivo dos investimentos no enfrentamento da TB, a conjuntura atual de retração no financiamento internacional e do risco iminente de colapso da liderança técnica global contra a doença, em si, já exige, por parte dos mandatários dos países do BRICS+, uma demonstração de capacidade de resposta rápida de alocação de recursos, diante do desmonte de estruturas importantes e estratégicas para o combate de emergências globais em saúde como já é o caso da tuberculose. Diante deste desafio atual, os países reunidos em torno ao BRICS+ parecem ter as condições técnicas e financeiras para ocuparem o vazio deixado na área da saúde internacional e assumirem a liderança e o compromisso ético e moral com a saúde das nações. * Publicado originalmente no boletim do Observatório Internacional do Século XXI | A A |
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A A | “Há uma grande defasagem quantitativa entre o número de estudantes de medicina ou vaga de graduação e o número de médicos residentes. Isso é um problema, porque o país precisa também de especialistas”, afirma Mário Scheffer. Créditos: Getty Acesso a especialistas num país de medicina privatizadaO que a Demografia Médica revela, no momento em que o governo lança Agora Tem Especialistas? Com recursos públicos, país forma profissionais para o setor privado e cria grande fosso no SUS. Como reverter essa tendência e desprivatizar a atenção especializada? Mário Scheffer em entrevista a Gabriel Brito O mês de junho se inicia com uma novidade de peso nas ambições do SUS, através do anúncio do programa Agora Tem Especialistas. A iniciativa visa reduzir de vez a espera por cirurgias no país, representa uma tacada política que certamente será instrumento de campanha eleitoral em 2026 e é tratada por Alexandre Padilha como um objetivo primordial de sua gestão no Ministério da Saúde. Para além dos debates técnicos, que serão tratados nas próximas edições do Outra Saúde, o Agora Tem Especialista tenta dar nova prioridade a um gargalo histórico do SUS na atenção de média e alta complexidade. E, como explica Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, essa dimensão da saúde é palco preferencial das desigualdades estruturais em saúde, o que justifica a negociação estabelecida pelo governo federal com o setor privado para a aquisição de seus serviços especializados. “Fica muito claro que temos, no caso dos cirurgiões, uma concentração muito mais favorável à menor parte da população que tem planos e seguros de saúde. E não há outra alternativa a não ser comprar tal capacidade de atendimento, no curto prazo, do setor privado. É preciso que a oferta hoje concentrada no setor privado atenda às necessidades do SUS”, analisou Scheffer. Para embasar seu ponto, o professor tem debaixo do braço aquele que talvez seja o mais detalhado estudo sobre a classe médica brasileira: a Demografia Médica, uma espécie de Censo da categoria, publicado no início deste ano e que traz profundo detalhamento sobre distribuição etária, regional, por gêneros, especialidades, níveis de renda, relações de trabalho, dentre outros indicadores. O documento foi utilizado pelo Ministério da Saúde na elaboração do programa que já havia sido lançado no início do ano, mas agora foi repaginado em razão das imbricadas fórmulas de transação entre setor público e privado no uso de serviços de cirurgia, em especial da bilionária dívida do mercado com o Estado neste âmbito. Na entrevista, Scheffer se debruçou especialmente sobre os capítulos que tratam dos especialistas e da produção cirúrgica no Brasil, o que permite a compreensão do arranjo governamental para tirar o programa do papel. Hoje, o país tem 635 mil médicos, aproximadamente 40% generalistas — número exagerado, pois revela uma crise na oferta de vagas de residência, que forma os especialistas. “O financiamento é quase exclusivamente público nas residências. O campo de prática são os serviços públicos do SUS, não só os hospitais universitários, hospitais escola, mas a rede SUS hoje conveniada inclusive pelas faculdades privadas como campo de prática e também como campo da residência médica. Concluída a formação, o percentual de profissionais a atuar exclusivamente no SUS é baixíssimo. Tal disparidade gera iniquidade, desigualdade de acesso”. Ou seja, aqui Scheffer joga luz sobre uma dimensão fundamental do passivo da saúde suplementar com o Estado, a respeito da formação dos especialistas em falta no serviço público. Em resumo, o SUS forma o profissional, o mercado o leva e a maioria da população padece. “Estamos com quase 60% dos gastos privados em saúde. Com razão, voltamos à defesa de maior financiamento, com fontes estáveis para ampliar a oferta no SUS. E isso inclui atenção especializada: é preciso mais investimentos em serviços e isso demanda garantia de mais financiamento público do que privado. A saída é a desprivatização”. Para além deste objetivo imediato da política pública, a entrevista buscou destacar algumas mudanças do perfil desta categoria: ela se tornou mais feminina e jovem. No entanto, a concentração nas grandes cidades prevalece, o que Mário Scheffer relaciona com o fato de o aumento da oferta de vagas em cursos de medicina ter sido quase todo privado. No caso dos especialistas, cerca de 70% têm vínculo público e privado e presta serviço para ao menos três diferentes estabelecimentos de saúde; e por volta de 18% trabalham mais de 40 horas semanais, o que revela aspectos de precarização da profissão. “É uma realidade da força de trabalho médica em geral, mas no caso da força de trabalho cirúrgica, parece muito mais grave a prática pública e privada, de múltiplos empregos, longas jornadas e imensa fragmentação”, comentou. Confira a entrevista completa com Mário Scheffer. Em linhas gerais, o que a Demografia Médica demonstra da profissão no Brasil? O grande crescimento do número de profissionais médicos nos últimos 10 anos mostra que ela se democratizou pelas classes sociais? Em função da grande expansão de cursos e vagas de medicina, o Brasil vai contar com mais de 1,150 milhão de médicos em aproximadamente dez anos, 5,2 médicos por mil habitantes. É algo que precisa ser avaliado do ponto de vista das políticas. Tal aumento da quantidade de profissionais é decorrência de dois fatores: a política deliberada pelo programa Mais Médicos, que visava prover médicos em regiões desassistidas e, de outro lado, a indução da abertura de cursos e vagas de medicina. Esse aumento será acompanhado da persistência de desigualdades na distribuição ou nós iremos ter políticas que contribuam para aproximara oferta das necessidades de saúde da população? Hoje, o Brasil tem quase 4.900 cidades com menos de 50 mil habitantes. Nessas cidades, habitam 30% da população e só 8% dos médicos. Os profissionais continuam muito concentrados nas grandes cidades, em especial nas 48 com mais de meio milhão de habitantes, onde também vivem 30% da população e 60% dos médicos. A Demografia alerta a necessidade primordial de planejamento, é preciso ter essa noção de que rapidamente o sistema de saúde irá se deparar com a progressão imensa do número de médicos. Devemos olhar alguns movimentos que acompanham isso, pois a formação médica foi delegada essencialmente ao setor privado. Na última década, 92% das vagas foram privadas. Em breve, nós devemos formar 48,5 mil médicos por ano e com uma grande concentração. Hoje já temos 90 cursos de medicina de grandes grupos privados listados na Bolsa de Valores. E parte dessa formação privada é fortemente contestada por entidades e especialistas da saúde, o que inclusive levou o governo a formular o Exame Nacional de Medicina, o Enamed. É preciso também avaliar essa opção pelo mercado porque nós tivemos, de fato, um aumento da oferta às custas da opção pela privatização do ensino. E tudo indica que haverá um novo ciclo de expansão. Nós estamos falando de 450 cursos, mas há indícios de que com o novo edital Mais Médicos de 2023 e a imensa judicialização de aberturas é possível que tenhamos ainda mais. O Sírio-Libanês acabou de abrir mais uma faculdade privada na capital de São Paulo. É preciso olhar a dinâmica de expansão, sobretudo do setor privado, pois tem a ver com a qualidade. O governo tenta administrá-la com a criação do Enamed, iniciativa que tardou a acontecer, mas importante para avaliar essa expansão. O estudo adverte também que essa expansão de oferta de médicos e cursos de graduação não foi acompanhada pela expansão da residência médica, essencial para formar especialistas, outro gargalo que o governo tenta corrigir neste momento de lançamento de um programa de aceleração da oferta de cirurgias. Há uma grande defasagem quantitativa entre o número de estudantes de medicina ou vaga de graduação e o número de médicos residentes. Isso é um problema, porque o país precisa também de especialistas. Está aumentando muito o número de médicos generalistas, o sistema de saúde precisa de bons generalistas, daí a importância da garantia da qualidade neste cenário de predomínio das escolas privadas. Houve um freio na maior diversidade social de profissionais médicos, mesmo após políticas afirmativas das públicas. Quando houve deliberadamente a opção de delegar ao setor privado a expansão começamos a ter um retrocesso, pois o financiamento estudantil não alcançou o mesmo resultado das políticas afirmativas. Nós estamos falando de uma minoria de vagas e de cursos públicos e temos evidências científicas de que, não só por justiça social, aproximar perfis profissionais das necessidades da população é muito bom para o sistema de saúde. Portanto, é importante dizer que o efeito adverso da privatização vai se ampliar neste âmbito se não houver uma regulamentação. Você defende, portanto, mais planejamento estatal na criação de oportunidades para formação de especialistas? Sim, sempre pensando que a formação de especialista se dá principalmente via residência médica, em contexto no qual as bolsas são públicas e o campo de prática é no SUS. É preciso aproximar tal investimento das necessidades estratégicas do SUS, a exemplo do que acabamos de ver com o lançamento do programa Agora Tem Especialista. Hoje os especialistas que atuam na linha de cuidado de câncer, ortopedia e traumatologia têm um impacto muito importante nas demandas do sistema de saúde. É preciso aproximar essa formação das necessidades do SUS. Quanto aos cirurgiões, é um recorte que nos dá informações que os dados mais gerais não dão. É uma questão também metodológica porque, por exemplo, nós não temos nas bases secundárias disponíveis o lugar onde o médico trabalha. Assim, é preciso produzir esse dado primário por meio de inquéritos e por meio de estudos como das cirurgias, em que estudamos a fundo a produção assistencial e também realizamos inquéritos com os médicos. Por isso que a demografia não abordou só a distribuição dos cirurgiões, mas também selecionou três cirurgias mais frequentes: apendicectomia, colecistectomia e correções de hérnias. E fizemos isso perguntando aos especialistas. O que fica muito claro (e já trazíamos em demografias anteriores) é uma sobreposição de disparidades e desigualdades: a desigualdade na distribuição geográfica e territorial entre as regiões e entre os setores público e privado. Uma parte do estudo se dedica às cirurgias e uma demografia dos cirurgiões. A seu ver, quais as informações mais importantes e reveladoras de urgência foram trazidas à tona? Nós lidamos com dados secundários e há limitações, mas a Demografia traz uma descrição muito aprofundada do número de especialistas e suas especialidades. É importante saber de quantos e quais especialistas o sistema de saúde precisa. Um primeiro aspecto é que eles estão em especialidades muito importantes para o SUS, como se vê nas quatro maiores especialidades: clínica médica, cirurgia geral, pediatria, Ginecologia e Obstetrícia (GO). Ao analisarmos o aumento da oferta de especialistas nos últimos 13 anos, tivemos um aumento importante da pediatria, da GO, da medicina de família e comunidade, da cardiologia, mas o que precisa ser discutido é se este quantitativo é suficiente para suprir as novas demandas do SUS, em função dos aspectos do envelhecimento da população, de toda a demanda reprimida na atenção especializada… É preciso discutir, já que temos um déficit importante entre o número de graduados, de recém-formados e de especialistas, na decisão de expandir a residência médica. E é preciso expandir em especialidades estratégicas para políticas relevantes do SUS, por exemplo, a própria atenção primária ou atenção em saúde mental. O país também precisa de bons generalistas, há lugar e espaço no sistema de saúde para generalistas bem formados e precisamos de novos especialistas em especialidades estratégicas, pois a distribuição hoje está nessas especialidades citadas. Temos sete especialidades que reúnem mais de 50% dos profissionais e são de fato aquelas ligadas a problemas de saúde mais frequentes. É um foco evidente de novos investimentos de incremento do SUS nos serviços de chamada média e alta complexidade, como tenta o Agora Tem Especialista? Fica muito claro que temos no caso dos cirurgiões uma concentração muito mais favorável à menor parte da população que tem planos e seguros de saúde. Agora temos evidências mais claras a respeito, o que explica a política de redução de filas. Não há outro caminho a não ser o deslocamento dessa capacidade cirúrgica localizada no setor privado para o setor público. E não há outra alternativa a não ser comprar tal capacidade de atendimento, no curto prazo, do setor privado. É preciso que a oferta hoje concentrada no setor privado atenda às necessidades do SUS. Não entro na discussão mais ampla de concepção do programa ou mesmo de investimentos no SUS, pois é uma outra discussão, mas me parece que hoje a única forma, pelo menos de acordo com os dados sobre as três cirurgias que estudamos e nos dados do inquérito. Veja: apenas 7,7% de cirurgiões atuam exclusivamente no SUS; 20% atuam exclusivamente no setor privado e 72% têm dupla prática, múltiplos empregos, público e privado. É uma força de trabalho estratégica ligada a problemas crônicos de filas de espera, de demandas reprimidas em cirurgias no SUS. A cirurgia compõe esse gargalo da atenção especializada no SUS e muitíssimo concentrado a favor da menor parte da população. O médico é um ponto do sistema de saúde e acompanha a questão estrutural do sistema de saúde, que no Brasil é subfinanciado no aspecto público. Assim, se precisamos aumentar rapidamente a oferta de atenção especializada no SUS e ela está concentrada no privado, além de concentrada em grandes centros, é preciso haver um deslocamento por meio de políticas que levem os profissionais a realizar cirurgias para o SUS. Como você disse, a demografia também relata uma alta densidade de médicos cirurgiões que atendem o setor público e privado ao mesmo tempo e 90% atendem em pelo menos três locais diferentes. Além disso, há uma parcela de 18,7% que trabalha até mais de 40 horas semanais em uma função de alta especialização, de exercício de um trabalho delicado de cuidado. Isso significa também uma precarização dos especialistas hoje disponíveis? Sim, é uma força de trabalho que ao aderir à dupla prática, pública e privada, vive uma fragmentação (a maioria trabalha nos dois setores, nas duas estruturas). No caso cirurgiões, quase 70% trabalham em quatro ou mais locais. Mais de 60% realiza plantões, a imensa maioria é pejotizada, recebe por número de procedimentos. Quando indagamos a respeito de condições de trabalho, os profissionais reportam problemas de condições de trabalho, sobretudo os médicos que fazem cirurgias em serviços do SUS. Fala-se de problemas com leitos, inadequação de leitos de enfermaria e de UTI, para cirurgia, problemas com segurança dos próprios pacientes e profissionais no bloco cirúrgico…. A percepção das condições de trabalho sempre é pior entre os cirurgiões que atuam no SUS. Esta é uma realidade da força de trabalho médica em geral, mas no caso da força de trabalho cirúrgica, parece muito mais grave a prática pública e privada, de múltiplos empregos, longas jornadas e imensa fragmentação. Uma política imediata de redução de filas em curtíssimo prazo, como ora em curso, precisa lidar com essa situação. Não é uma situação que vai se solucionar de um dia para o outro. É preciso agilizar uma redução de filas e, insisto, precisamos de um deslocamento dessa capacidade hoje concentrada no setor privado para o setor público. A demografia amplia a compreensão sobre os médicos envolvidos com as práticas cirúrgicas, porque pela primeira vez nós juntamos a produção cirúrgica do SUS e dos planos de saúde, combinando com as informações em inquérito e temos evidências sobre essa outra dimensão da desigualdade. Assim, teríamos aqui outra dimensão do privilégio do setor privado garantido pela ação direta do Estado, não só pela conhecida discussão da dívida da saúde suplementar com o SUS como também neste aspecto formativo, onde a estrutura pública é trampolim para o atendimento particular? Essa é a realidade: quem possui plano de saúde hoje tem à sua disposição muito mais cirurgiões, realiza mais cirurgias, não só eletivas, como ainda mais as de urgência. Isso nos coloca de volta ao início da discussão, pois estamos falando de uma formação especializada financiada por bolsas públicas. O financiamento é prioritariamente, quase exclusivamente público, nas residências. O campo de prática são os serviços públicos do SUS, não só os hospitais universitários, hospitais escola, mas a rede SUS hoje conveniada inclusive pelas faculdades privadas como campo de prática e também como campo da residência médica. Concluída a formação, o percentual de profissionais a atuar exclusivamente no SUS é baixíssimo. Certamente uma grande parte são residentes que estão em formação e depois de formados assumem a dupla prática, de múltiplo emprego e de concentração no setor privado. Tal disparidade na oferta tem de receber uma atenção, porque gera iniquidade, desigualdade de acesso. Tem de haver uma desprivatização, ou deslocamento, para o SUS de parte da oferta, hoje concentrada em benefício de uma clientela particular, o que envolveria União, estados, municípios, mais financiamento público, regulação de preços e de práticas. Esse deslocamento de especialistas para o SUS poderia ter efeitos positivos também na atenção primária? Aqui, entro numa dimensão que o estudo não traz com profundidade, mas em alguns estudos o preço praticado por procedimentos pelo setor privado e pelo SUS, muitas vezes, é o que influencia a adesão do profissional a esse ou aquele serviço. Quando perguntamos aos profissionais o que pensam para reduzir as filas de cirurgia no SUS, recebemos várias respostas e alternativas: 50% deles falam que precisa aumentar o valor dos procedimentos, mas achei interessante porque parte importante dos cirurgiões reconheceu que é preciso fortalecer a atenção primária, no sentido de ser mais resolutiva e evitar agravamentos que depois demandam necessidade de cirurgias; outra parte importante dos cirurgiões fala da necessidade de regular e de estipular tempos máximos de espera… Nós temos de chegar a consensos entre gestores, prestadores, médicos, porque a situação é complexa, o problema é multideterminado, nós não podemos entrar numa discussão de que isso é, por exemplo, apenas um desejo, uma opção deliberada dos médicos. Eles integram um sistema de saúde que estruturalmente está organizado dessa forma. Assim, nada melhor do que ter dados e evidências científicas. O objetivo nosso é uma base empírica comum para um debate sobre soluções consensuadas entre tantos interesses. O que fica claro com a pesquisa é que a atenção especializada está muito mais concentrada hoje no setor privado. Por isso o Ministério anunciou, e com razão, a única solução em curto prazo, a compra da capacidade instalada no setor privado. Sem contar que no caso das especialidades estão ainda mais concentradas do que os médicos em geral, também muito concentradas nos grandes centros, porque aqui nós estamos falando de cirurgias que demandam internação, o que significa a concentração dos equipamentos. É preciso olhar para os dois níveis de desigualdade, uma desigualdade territorial, mas também entre público e privado. Dessa forma, ao atacar o subfinanciamento do SUS também se poderia tocar na “fila estrutural das cirurgias”, isto é, nas condições que levam à criação dessa pressão para procedimentos de média e alta complexidade. No médio e longo prazo é financiamento, pois enquanto persistir a equação de maior volume de gastos privados do que público, a consequência é um sistema desigual, estratificado, com várias vias de acesso, com profissionais com a prática fragmentada em múltiplos vínculos. Como mostram as últimas pesquisas do IBGE, estamos com quase 60% dos gastos privados em saúde. Com razão, voltamos à defesa de maior financiamento, com fontes estáveis para ampliar a oferta no SUS. E isso inclui atenção especializada, é preciso mais investimentos em serviços e isso demanda garantia de mais financiamento público do que privado. A saída é a desprivatização, do financiamento primeiro e depois da capacidade instalada, que hoje beneficia a menor parcela da população e fica muito nítido na atenção especializada. | A A |
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A A | Mesmo proibido, o amianto ainda faz vítimasAvaliação de moradores de área de mineração abandonada no sul da Bahia mostrou que 45% sofreram exposição ambiental e 12,3% têm doenças relacionadas ao material. Artimanha ainda permite exploração no Brasil, mesmo após banimento em 2017 Você sabia que o interior da Bahia foi palco de um dos maiores crimes ambientais e sociais do Brasil? Trata-se da mina de São Félix do Amianto, a primeira desse tipo no Brasil, localizada no município de Bom Jesus da Serra, desmembrado do município de Poções em 1989. Embora a exploração da mina pela empresa multinacional francesa Saint-Gobain tenha terminado na década de 1960, as feridas profundas na natureza e na população que habita a região seguem abertas. A área de mineração abandonada pela empresa foi utilizada por décadas para moradia por famílias da região, que não foram avisadas dos riscos. A água contaminada da mina formou um lago que era utilizado para lavar roupas, banho e até criação de peixes. Os resíduos de rochas da mineração foram utilizados para construção de casas e asfaltamento da região. Em abril deste ano, mais uma etapa da investigação e da mitigação de danos desse desastre foi concluída, com a devolutiva para a população afetada dos resultados de ações de rastreamento realizados em setembro de 2024, após anos de luta e reivindicação dos moradores da região e de movimentos sociais como a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) e a Associação das Vítimas Contaminadas pelo Amianto e Famílias Expostas (AVICAFE). Elas também tiveram a colaboração de militantes da saúde do trabalhador e de diversas entidades e instituições, como Fiocruz, InCOR, Hospital de Amor e Ministério Público do Trabalho (MPT). Um total de 584 pessoas realizou pelo menos uma das avaliações (clínica, espirometria, tomografia de tórax), das quais 68 pessoas tiveram uma ou mais doenças relacionadas ao amianto (DRA), o que equivale a 12,3% da população investigada. Isso pode parecer pouco à primeira vista, mas é um dado alarmante, visto que a população examinada representa uma amostra de menos de 1% do total de habitantes da região. Outra informação que é preciso levar em consideração é que das 68 vítimas de DRAs, 31 (45,6%) referiram exposição ambiental, o que demonstra a presença inequívoca de contaminação do meio ambiente, já que as casas, fundações das edificações, estradas, até lápides de cemitério, foram construídas e pavimentadas com pedras de amianto, que eram doadas para as obras da prefeitura e de residentes da região. Ou seja, parte da população continua exposta e ainda corre risco de desenvolver alguma DRA nas próximas décadas. Não podemos esquecer que a atividade de mineração ocorreu entre 1939-1967, isto é, foi iniciada há 86 anos. Portanto, podemos concluir que a maioria dos trabalhadores da mina já faleceu e suas mortes não foram devidamente investigadas e registradas. Constam como “causa desconhecida” nos atestados de óbito e contribuem para uma abissal invisibilidade social de DRAs no país e, assim, a subestimação de seu impacto na saúde da população brasileira. Os alertas científicos de que o amianto causa câncer datam do início do século passado e mesmo com as diversas denúncias de cientistas e profissionais da saúde sobre os riscos para o ser humano e da luta tenaz de movimentos de trabalhadores pelo fim de seu uso e substituição por outros materiais, o uso generalizado do amianto na indústria perdurou por todo o século 20. Paulatinamente, os países do mundo proibiram-no. No Brasil o banimento total da fibra se deu em 2017, fruto da pressão dos movimentos sociais. Porém, em Minaçu, o estado de Goiás permite a atividade de uma das maiores minas do minério no mundo. Ela pertence à ETERNIT, que comprou ações da SAMA e hoje é responsável pelo passivo da catástrofe na Bahia. Por meio de uma artimanha jurídica, o Brasil segue exportando esse minério, contaminando trabalhadores em território nacional e estrangeiro. Ações de prevenção e detecção precoce de doenças pelo SUS, o diálogo com os movimentos sociais é essencial para garantir o monitoramento dos riscos e os cuidados de todos os afetados. Contudo, não podemos parar por aí: a luta pelo banimento total da exploração do amianto no planeta e a justiça às vítimas extrapola as fronteiras nacionais. Promover saúde é lutar por relações mais saudáveis do ser humano com a natureza e com o trabalho, que não estejam submetidas a interesses econômicos de uma minoria que lucra com a miséria, a doença e a morte da maior parte da humanidade. | A A |
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A A | Farmacêuticas públicas: antídoto ao desabastecimentoEm meio à incerteza global, volta o risco de grandes disputas entre países por remédios e vacinas – como se viu na pandemia de covid-19. Mas podemos evitá-las: é hora de apostar na infraestrutura estatal de desenvolvimento e fabricação de tecnologias de saúde Por Alan Rossi e Jan Wintgens, no vdää | Tradução: Guilherme Arruda Em hospitais, farmácias e clínicas em todo o mundo, uma emergência silenciosa se instala. A escassez de medicamentos tornou-se tão frequente e generalizada que já constitui uma crise de saúde pública. Só na Alemanha, quase 1.500 episódios de falta de medicamentos foram registrados em 2023 – quase três vezes mais que em 2021. Grande parte dos farmacêuticos hospitalares entrevistados no país reconhecem que a escassez prejudica sua capacidade de cuidar dos pacientes de forma eficaz. Por trás desses números, há uma história mais profunda de disfunção sistêmica – e uma necessidade urgente de soluções estruturais e ousadas, baseadas no interesse público. Raízes estruturais e consequências da escassez de medicamentos A escassez de medicamentos é frequentemente retratada como um problema incômodo mas não tão grave, já que o sistema farmacêutico costuma ser considerado “eficiente”. Essa narrativa obscurece a verdadeira natureza da crise. Na realidade, esses episódios são o resultado previsível de um modelo construído em torno da lógica de maximização de lucros, e não da saúde pública. O que testemunhamos não é um fracasso acidental; é o resultado de escolhas estruturais. Ao longo da história, uma ampla gama de fatores já foi apontada como causa da escassez de medicamentos. Alguns são circunstanciais ou logísticos, como flutuações sazonais na demanda, desastres naturais ou mudanças abruptas nas tendências epidemiológicas. Outros são de natureza regulatória, a exemplo padrões de fabricação mais rigorosos ou exigências dos estoques nacionais. No entanto, por trás dessas explicações superficiais, há um problema sistêmico mais profundo: a mercantilização da saúde. Uma das causas mais citadas para essa crise é a baixa rentabilidade de certos medicamentos, especialmente genéricos mais antigos, que levou muitos fabricantes a abandonarem linhas inteiras de produtos. Esse fenômeno é às vezes chamado de “parafuso de preço”: uma situação em que a pressão para reduzir custos deixa as empresas com pouco incentivo para continuar a produção. Na Alemanha, em 2023, 30% dos fabricantes de genéricos esperavam aposentar entre 10% e 50% de seus portfólios no ano seguinte, e outros 70% dos produtores previam cortar até 10%. Essa não é uma decisão isolada; reflete um padrão mais amplo de retirada do mercado. A concentração da produção em poucos países do mundo, principalmente na China e na Índia, criou um sistema just-in-time otimizado para custos, mas vulnerável a interrupções. A literatura sugere que esses locais não são escolhidos por acaso, mas devido a custos trabalhistas mais baixos e regulamentações ambientais mais frágeis. De toda forma, o problema não são as políticas ambientais ou a proteção dos trabalhadores – é a busca do lucro que as transforma em ônus. Quando a produção de ingredientes farmacêuticos ativos é terceirizada para maximizar margens de lucro, as cadeias de suprimentos se tornam mais longas, opacas e frágeis. Outros fatores relevantes incluem a monopolização do fornecimento de insumos por um pequeno número de produtores, a falta de transparência das empresas farmacêuticas, a ausência de reservas estratégicas e um subinvestimento generalizado na capacidade de produção doméstica e regional. Enquanto isso, mercados menores ou menos lucrativos costumam ser despriorizados, com as empresas priorizando o atendimento de regiões mais rentáveis. As consequências dessas crises de escassez são amplas e profundamente prejudiciais. Os pacientes enfrentam atrasos no tratamento ou são forçados a interromper terapias completamente. A falta de alternativas disponíveis aumenta o risco de erros de medicação e reações adversas. Em alguns casos, os pacientes são empurrados para opções mais caras, aumentando seus gastos diretos. Em outros, o único caminho disponível torna-se o mercado informal ou ilegal, onde a segurança e a qualidade estão longe de ser garantidas. Farmacêuticos e profissionais de saúde também sofrem o impacto. Sua carga de trabalho aumenta enquanto eles correm para encontrar substitutos, enfrentam obstáculos de aquisição e precisam acalmar pacientes preocupados. A confiança no sistema de saúde é afetada. E a pesquisa clínica pode ser atrasada ou comprometida quando medicamentos essenciais não estão disponíveis para testes. Em um sentido geral, o custo social e econômico é profundo. As populações vulneráveis – aquelas com recursos financeiros limitados, condições de saúde complexas ou mobilidade restrita – são as mais atingidas. O que começa como um problema na cadeia de suprimentos rapidamente se torna uma questão de justiça, equidade e confiança pública. Como se vê, as crises de escassez de medicamentos não são anomalias isoladas. Tratam-se do sintoma visível de uma crise sistêmica mais profunda – que exige mais do que soluções técnicas. Elas revelam o fracasso de um modelo que trata as tecnologias de saúde como mercadorias, em vez de bens públicos. Qualquer solução real para o problema deve começar com esse reconhecimento. Respostas inadequadas a um problema estrutural Autoridades públicas, acadêmicos e associações profissionais propuseram uma série de respostas a essa crise, mas a maioria se enquadra em três categorias amplas. A primeira delas consiste em medidas que visam melhorar o diagnóstico do problema. Isso inclui esforços para harmonizar terminologias e padrões de relatório, aumentar a transparência nas cadeias de suprimentos e fortalecer a fiscalização regulatória. São passos importantes, mas ainda limitados em escopo. Eles nos ajudam a entender os contornos da crise com mais clareza, mas não alteram suas causas subjacentes. Já a segunda inclui tentativas de gerenciar a escassez em vez de preveni-la. Os governos vêm incentivando os farmacêuticos a substituir medicamentos indisponíveis por outros, pediram a redistribuição de suprimentos entre países, estenderam prazos de validade de certos remédios e criaram novos estoques de emergência. No melhor cenário, essas políticas podem mitigar danos a curto prazo, mas representam uma estratégia de contenção, não de transformação. Elas aceitam a escassez como um dado e apenas tentam torná-la mais tolerável. Por fim, há um terceiro e mais problemático grupo de “soluções”: aquelas que reforçam perigosamente a própria lógica responsável pelo problema. Aqueles que propõem pagar mais por medicamentos, desregular a produção farmacêutica ou afrouxar exigências ambientais estão apontando na direção errada. Em vez de proteger o bem-estar público, essas medidas aprofundam nossa dependência das forças de mercado e nos afastam ainda mais da equidade em saúde e da sustentabilidade. Farmacêuticas públicas: uma alternativa real Quem erra no diagnóstico, erra no tratamento. Em vez de gerenciar a escassez ou ceder à pressão corporativa, devemos fazer uma pergunta diferente: como podemos construir um ecossistema farmacêutico que coloque as pessoas na frente do lucro? A resposta para essa interrogação começa com as farmacêuticas públicas. Elas não são um ideal utópico. Tratam-se de uma resposta prática e necessária às falhas estruturais do modelo atual. Refere-se à construção de infraestruturas estatais dedicadas à pesquisa, desenvolvimento, fabricação e/ou distribuição de tecnologias de saúde. Significa criar sistemas transparentes, resilientes, responsáveis e alinhados com as necessidades de saúde, não com as expectativas dos acionistas. Isso tudo já está acontecendo. Ao redor do mundo, existe um ecossistema rico e diversificado de instituições farmacêuticas públicas, devido à ação de governos que fortaleceram a capacidade produtiva estatal para fabricar tecnologias de saúde. Essas iniciativas melhoraram o acesso, apoiaram a autossuficiência regional e promoveram a soberania sanitária – quase sempre sob imensa pressão política e econômica. A Europa também faz parte desse movimento. Em Portugal, o Laboratório Nacional de Medicamentos há muito desempenha um papel decisivo na produção de medicamentos acessíveis e de qualidade. Na Suécia, a agência nacional de medicamentos recomendou a criação de uma empresa estatal de produção farmacêutica para resolver a escassez de medicamentos críticos. Em países como Suíça e França, vários partidos políticos já defenderam publicamente o desenvolvimento de uma estratégia coordenada de farmacêuticas públicas. Enquanto isso, em todo o continente, acadêmicos e ativistas têm levantado a bandeira da criação de uma iniciativa europeia de farmacêuticas públicas para garantir o acesso seguro e equitativo a tecnologias de saúde. Esses esforços são valiosos e inspiradores, mas permanecem sob constante ameaça. Em todo o mundo, as farmacêuticas públicas estão sendo enfraquecidas por ondas neoliberais de austeridade, cortes orçamentários e privatizações. A continuidade de sua existência está longe de ser garantida. Para cumprir seu potencial, elas devem ser defendidas e expandidas. A hora de agir é agora Em 2024, organizações da sociedade civil, pesquisadores e militantes da saúde de toda a Europa se uniram para formar a Public Pharma for Europe Coalition [N. T.: Coalizão por Farmacêuticas Públicas para a Europa, em português]. Estamos unidos por uma crença simples, mas poderosa: o acesso a medicamentos e outras tecnologias de saúde não deve jamais depender da lógica de mercado. Nossa coalizão defende um novo paradigma – que coloque a capacidade farmacêutica do poder público no centro das políticas de saúde. Um paradigma que garanta que a saúde é um direito humano, não uma mercadoria. Com o aprofundamento da emergência climática, o aumento das tensões geopolíticas e o agravamento das desigualdades econômicas, o risco de uma crise de escassez de medicamentos só crescerá. Não vamos esperar pela próxima onda de sofrimento evitável. Vamos agir agora – com urgência, clareza e coragem – e construir a infraestrutura pública necessária para promover saúde para todos. | A A |
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Portal Membro desde 13/12/2024 Segmento: Notícias Premiações: |
A A | Implante contraceptivo de longa duração será oferecido no SUSMariana RamosO Ministério da Saúde anunciou a incorporação do implante contraceptivo hormonal, Implanon, ao SUS. O método tem eficácia por até 3 anos, alta eficiência e será oferecido como parte das estratégias de planejamento reprodutivo. O Sistema Único de Saúde (SUS) vai incorporar o implante subdérmico contraceptivo liberador de etonogestrel, mais conhecido como Implanon, como parte do planejamento reprodutivo do país. Além de prevenir a gravidez não planejada, o Ministério da Saúde tem o compromisso de reduzir em 25% a mortalidade materna geral e em 50% a mortalidade entre mulheres negras até 2027. A portaria que oficializa a incorporação do contraceptivo no SUS deve ser publicada em breve, com prazo de 180 dias para o SUS começar a efetivar a oferta. O plano de entrega estima 1,8 milhões de implantes até 2026, sendo 500 mil ainda este ano. Implanon O implante subdérmico contraceptivo liberador de etonogestrel é um dispositivo anticoncepcional de longa duração. Sua ação pode durar até 3 anos, sem necessidade de manutenção. Sua eficácia é garantida e superior à maioria dos métodos contraceptivos atuais, como o dispositivo intrauterino (DIU) e o anticoncepcional oral, também disponíveis no SUS. O Implanon é um pequeno bastão flexível de 2 mm de diâmetro por 3 cm de comprimento, inserido no antebraço, que libera continuamente um hormônio derivado da progesterona, o etonogestrel, no sangue. Sua ação impede a ovulação e provoca espessamento da mucosa cervical para bloquear a fecundação. A inserção e retirada do implante devem ser realizadas por médicas(os) e enfermeiras(os) capacitadas. Métodos contraceptivos Além dos implantes, os seguintes métodos estão disponíveis no SUS:
Mais informações no site do Ministério da Saúde. | A A |
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A A | AMAZONAS: Operação Gota vai vacinar população indígena, quilombola, ribeirinha e rural do estadoBrasil61A Operação Gota vai levar 20 vacinas do Calendário Nacional de Vacinação e a vacina contra a raiva para as populações indígenas, ribeirinhas, quilombolas, rurais e que vivem nas regiões de fronteiras nas áreas remotas do Amazonas. A ação é coordenada e financiada pelo Ministério da Saúde, com apoio do Ministério da Defesa, Força Aérea Brasileira, secretarias estaduais e da Secretaria de Saúde Indígena, a Sesai. No estado amazonense, as equipes de vacinação vão percorrer comunidades indígenas com as localizadas no Distrito de Saúde Especial Indígena Alto Rio Negro.
A Operação Gota vai levar 20 vacinas do Calendário Nacional de Vacinação e a vacina contra a raiva para as populações indígenas, ribeirinhas, quilombolas, rurais e que vivem nas regiões de fronteiras nas áreas remotas do Amazonas. A ação é coordenada e financiada pelo Ministério da Saúde, com apoio do Ministério da Defesa, Força Aérea Brasileira, secretarias estaduais e da Secretaria de Saúde Indígena, a Sesai. No estado amazonense, as equipes de vacinação vão percorrer comunidades indígenas com as localizadas no Distrito de Saúde Especial Indígena Alto Rio Negro. Este ano, a Operação Gota também vai aplicar a imunização pré exposição contra a raiva e a versão mais atual da vacina contra a influenza. O diretor do Programa Nacional de Imunizações, Eder Gatti, explica a meta da campanha contra gripe: TEC./SONORA: Eder Gatti, diretor do Programa Nacional de Imunizações “O objetivo é a gente buscar essa meta. Então, teremos um esforço muito grande de fazer essa vacinação. Lembrando que trazemos a vacina do Butantã, que é uma vacina trivalente, com a composição para o Hemisfério Sul de 2025. Ela cobre três tipos de vírus de Influenza. Então, é uma vacina que é produzida nacionalmente, 100% produzida aqui no Brasil. É bom lembrar que as crianças que não receberam a vacina previamente têm que receber duas doses e a população indígena, toda a população, está contemplada a partir de seis meses de idade.” Entre as principais vacinas ofertadas pelas equipes estão a tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola. A DTP protege contra difteria, tétano e coqueluche. A vacina BCG protege contra formas graves de tuberculose. As vacinas contra febre amarela, catapora, hepatite B e hepatite A, e a imunização contra o HPV também fazem parte da lista. Operação Gota: vacinas aplicadas1. BCG – contra formas graves de tuberculose 2. Hepatite B 3. Pentavalente (DTP + Hib + Hepatite B) – contra difteria, tétano, coqueluche, Haemophilus influenzae tipo b e hepatite B 4. DTP (tríplice bacteriana) – contra difteria, tétano e coqueluche 5. dT (dupla adulto) – contra difteria e tétano 6. dTpa (tríplice bacteriana acelular do tipo adulto) – contra difteria, tétano e coqueluche (gestantes) 7. VIP (vacina inativada poliomielite) 8. Rotavírus humano (monovalente) 9. Pneumocócica 10-valente (conjugada) 10. Pneumocócica 23 valentes 11. Meningocócica C (conjugada) 12. Meningocócica ACWY (conjugada) 13. Febre amarela 14. Tríplice viral (SCR) – contra sarampo, caxumba e rubéola 15. Tetra viral (SCR-V) – contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela 16. Varicela (monovalente) 17. Hepatite A 18. HPV (papilomavírus humano) quadrivalente – tipos 6, 11, 16 e 18 19. Influenza (gripe) 20. COVID-19 – Conforme esquemas atualizados 21. Profilaxia Pré- exposição antirrábica Humana Atualmente, o estado do Amazonas ainda está com índices abaixo da meta de 95% de cobertura vacinal prevista para 2025. Um exemplo: a vacinação contra Hepatite A infantil está com 88% de cobertura. As vacinas contra catapora, sarampo, caxumba e rubéola também estão com números abaixo do ideal. Para o agricultor José Roberto Medeiros, a operação leva saúde e prevenção. Ele mora na região da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari, nas proximidades do município de Carauari, distante mais de 700 quilômetros de Manaus. "A vacina é muito importante para prevenir doenças, principalmente doenças tropicais, porque moramos no meio da floresta e estamos sujeitos à contaminação de vírus e bactérias. E a dificuldade de ter acesso à vacina no tempo certo é pela distância, pelo isolamento. Moramos distante dois, três dias de barco para a cidade mais próxima, que é Carauari." A Operação Gota tem como meta vacinar moradores de 104 comunidades ribeirinhas, quilombolas e rurais, além de 325 aldeias indígenas, espalhadas por 42 municípios da região Amazônica. O valor total destinado à execução da operação é de R$ 56,4 milhões. Para mais informações, acesse www.gov.br/vacinacao. | A A |
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Brasil e França juntos para desenvolver imunizantesDurante a missão do presidente Lula à França, a Fiocruz, que integra oficialmente a comitiva da Presidência da República, firmou parceria com o Institut Pasteur, de Paris, e a farmacêutica Sanofi. A nova aliança visa promover soluções inovadoras e avanços na tecnologia de vacinas. Lula afirmou, durante o Fórum Econômico Brasil-França na última sexta-feira (6), que: “O acordo associou pesquisa e produção, demonstrando o dinamismo e a capacidade do Complexo Econômico e Industrial da Saúde”. Para o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, a parceria reitera o compromisso histórico da Fundação com o acesso universal à vacinação, a partir do fortalecimento do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e da inovação para o desenvolvimento de insumos em saúde. A presidente do Institut Pasteur, Yasmine Belkaid, afirmou que o Instituto, a Fundação e a Sanofi compartilham da mesma visão, e que estão “convencidos de que é reunidos todos os atores, tanto acadêmicos quanto industriais, que seremos capazes de acelerar o desenvolvimento de soluções de vacinas”. Agência reguladora dos EUA quer usar IA na aprovação de fármacosA FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos), agência reguladora dos Estados Unidos, está planejando usar inteligência artificial para “aumentar radicalmente a eficiência” na decisão de aprovar novos medicamentos e dispositivos, de acordo com um artigo publicado nesta terça-feira (10) na revista JAMA. Para alguns casos, os funcionários da FDA propuseram acelerar as principais aprovações de medicamentos exigindo apenas um estudo importante em pacientes em vez de dois. A novidade vem justamente em um contexto de demissão em massa de funcionários da agência, que reduziu sua força de trabalho em quase 2 mil. Funcionários atuais e antigos disseram que a ferramenta de IA apresentada na semana passada era útil, mas longe de ser transformadora. Membros da equipe chegaram a afirmar que o modelo estava alucinando, ou produzindo informações falsas. A diretora da Colaboração Yale para Rigor Regulatório, Integridade e Transparência, Reshma Remachandran, destaca que a FDA fez uma turnê de escuta a portas fechadas para se reunir com diretores executivos da indústria farmacêutica. Ela questiona: “Como isso está protegendo a agência ‘contra um relacionamento próximo’ com a indústria?”. Em um movimento claro de priorização do lucro da Big Pharma, a FDA aceita pôr em risco a vida de pacientes. * * * Mais bolsas de residência médica e mais especialistas O Ministério da Saúde anunciou, nesta terça-feira (10), a criação de 3 mil bolsas de residência no país, além de 500 vagas para médicos especialistas no SUS. Serão priorizados os estados que compõem a Amazônia Legal e o Nordeste. Veja o que dizem as autoridades. Mobilidade elétrica para cidades mais sustentáveis Especialistas defendem que eletrificar o transporte público e de cargas é a chave para descarbonizar o setor e democratizar o acesso nas cidades brasileiras. Por quê? Mpox ganha força mundo afora Durante a 4º Reunião dos Regulamentos Internacionais de Saúde da OMS, na última quinta-feira (5), foi alertado para a ascensão da mpox. A agência indica algumas medidas e ações para o controle da doença. Saiba quais são as recomendações. | A A |
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A A | O Ministério da Saúde publicou, na última quinta-feira (12), o edital de adesão de estados, municípios e do Distrito Federal ao programa Agora Tem Especialistas, iniciativa voltada à redução das filas por consultas, exames, cirurgias e tratamentos no Sistema Único de Saúde (SUS).
A ação marca a etapa preparatória para a abertura de 500 bolsas de educação pelo trabalho, destinadas a médicos já especialistas. Gestores estaduais e municipais de saúde têm até o dia 30 de junho para indicar ao ministério os serviços de saúde interessados. Será necessário detalhar a estrutura disponível — como salas, equipamentos, insumos e medicamentos — e informar a quantidade de vagas para atuação dos médicos. O edital pode ser acessado aqui. O objetivo do edital atual é identificar a demanda de atendimento nas áreas prioritárias para o SUS e mapear os estabelecimentos de saúde aptos a receber os profissionais. Com o mapeamento concluído, o Ministério da Saúde publicará um novo edital para selecionar os 500 especialistas, que atuarão com prática assistencial em hospitais regionais, policlínicas e ambulatórios. Os profissionais devem ter certificação da CNRM ou titulação pela AMB. A previsão do governo é que o chamamento dos especialistas selecioandos seja publicado na primeira quinzena de julho, com início das atividades para setembro deste ano. Agora tem Especialistas: o que é?É um programa que visa reduzir o tempo de espera em atendimentos realizados pelo SUS. A ação busca também ampliar mutirões, utilizar unidades móveis de saúde, adquirir transporte sanitário e fortalecer o sistema de telessaúde. Entre as metas do programa, estão a realização de mais de 700 mil cirurgias anuais em carreatas especializadas, colocar em operação mais de 6 mil veículos de transporte sanitário, garantir a formação de 4 mil novos médicos especializados, além da ampliação ao acesso à radioterapia com 72,6 mil procedimentos anuais. Segundo o Ministério da Saúde, serão destinados R$ 260 milhões para ampliar o provimento e a formação de profissionais especialistas em regiões com menor cobertura assistencial. É o que explica o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. “O “Agora tem Especialistas” pretende usar todos os instrumentos que nós temos enquanto ministério da saúde, instrumentos legais com a medida provisória, os processos de pactuação, os recursos do ministério, os recursos que são e que não são do orçamento do ministério para estarmos direcionando para a esse esforço.” | A A |
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Projeto que facilita uso de verbas da saúde por estados e municípios será analisado pelo SenadoMarquezan AraújoO projeto de lei complementar que permite a estados e municípios usarem, até 31 de dezembro de 2025, recursos represados antes destinados a procedimentos de saúde relacionados à Covid-19, será analisado pelo Senado Federal. A proposta já foi aprovada pela Câmara dos Deputados no último dia 18 de março. Segundo o autor da proposta, deputado Mauro Benevides Filho (PDT – CE), os recursos que já estão nas contas das prefeituras e dos estados totalizam R$ 2 bilhões. O projeto de lei complementar que permite a estados e municípios usarem, até 31 de dezembro de 2025, recursos represados antes destinados a procedimentos de saúde relacionados à Covid-19, será analisado pelo Senado Federal. A proposta já foi aprovada pela Câmara dos Deputados no último dia 18 de março. Segundo o autor da proposta, deputado Mauro Benevides Filho (PDT – CE), os recursos que já estão nas contas das prefeituras e dos estados totalizam R$ 2 bilhões. Pelos termos da matéria, gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) também vão poder alterar a destinação de outras verbas repassadas pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) aos fundos de saúde locais, sem a necessidade de seguir compromissos aos quais os recursos estavam vinculados. A medida valerá para repasses feitos até o dia 31 de dezembro de 2023, em transferências regulares e automáticas. Na avaliação do relator da proposta na Câmara, deputado Hildo Rocha (MDB – MA), a realocação desse dinheiro contribuirá para a melhoria dos serviços de saúde. A primeira vez que o Congresso Nacional autorizou que gestores de saúde mudassem a destinação de recursos de anos anteriores - que normalmente devem voltar ao FNS - foi em 2020, devido à pandemia de Covid-19. À época, a medida foi estendida até 2021. No ano seguinte, houve uma nova prorrogação até o fim de 2023. No ano posterior, uma Lei Complementar estendeu o prazo até dezembro de 2024. | A A |
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Mais Médicos: surge uma contradição na base do SUSEstaria o programa servindo para precarizar o trabalho na Atenção Básica? Dois médicos de família alertam: já se fazem contratações injustificáveis pelo programa. Sem estratégia para fixar os profissionais a longo prazo, problema da falta de assistência não se resolverá Marco Tulio Pereira e Ricardo Heinzelmann em entrevista a Gabriel Brito Festejado pelo governo Lula como grande símbolo da “reconstrução”, o programa Mais Médicos quebrou recordes de adesão e beira os 30 mil profissionais contratados, distribuídos por unidades de saúde de todo o Brasil. Em comparação com o desmonte do SUS e do direito à saúde promovidos ativamente pelo governo Bolsonaro, o programa deve ser visto de fato como um grande sucesso. Mas há um outro lado, pouco debatido. Na visão de Marco Tulio Pereira e Ricardo Heinzelmann, médicos de Família e Comunidade entrevistados pelo Outra Saúde, questões trabalhistas envolvidas no programa podem ser lidas como uma bomba-relógio na Atenção Básica. Como explicam, a forma de contratação acabou por ofuscar outro objetivo perseguido pelo programa: a ampliação do corpo de profissionais da Medicina de Família e Comunidade (MFC), especialidade essencial ao funcionamento do SUS. Isso porque a contratação por bolsa representa vínculo precário de trabalho e na prática se tornou a forma predileta de contratação de municípios, inclusive aqueles que possuem boas condições econômicas. “A forma como está sendo conduzido o processo é equivocada. Atualmente, apenas 6% dos médicos do programa são da especialidade Família e Comunidade. Não está sendo atrativo porque não tem perspectiva de continuidade. Depois de quatro anos, o processo acaba, e o que acontece? Ninguém vai se mudar com filhos para um município sem perspectiva de carreira”, pontuou Ricardo, que é diretor de Exercício Profissional da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, além de professor e coordenador de programas de residência em MFC pela Universidade Federal de Santa Maria, importante polo gaúcho que serve de exemplo da distorção operada na condução do programa. “O Mais Médicos pode ser caracterizado como uma contrarreforma trabalhista, pois o próprio Ministério da Saúde oferta aos municípios ferramentas para uma forma de contratação mais barata. Vamos conviver com metade dos médicos que trabalham na atenção primária, nível de atenção tão importante para o funcionamento do SUS, como temporários e bolsistas? Isso não induz uma estruturação da política pública”, analisou Marco Tulio, que trabalha no Hospital Universitário do Vale do São Francisco e também é membro da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares. Quando retomado, o programa acrescentou incentivos inéditos em relação à sua primeira versão. No primeiro período, o Mais Médicos contratava majoritariamente mão de obra estrangeira, quase toda de Cuba, o que acabou por deturpar o debate público em torno do programa. Agora, profissionais que o aderem são contratados por bolsa e têm gatilhos de acesso a títulos de pós-graduação e especialização. A ideia essencial defendida pelos médicos ouvidos por Outra Saúde é que o Mais Médicos, em termos conceituais, é um programa de provimento, isto é, de socorro a vulnerabilidades específicas do SUS, pensado nos municípios mais pobres da nação. No entanto, acaba deformado por uma racionalidade neoliberal na operação do Estado, dentro de uma lógica de redução de custos. “O argumento [da retomada do programa] não é tanto da falta de médicos, mas de fixá-los. E realmente a rotatividade é muito grande. Mas por que isso acontece? Em Florianópolis, entre os concursados, não há rotatividade grande. Em Brasília tampouco. Mas em lugares onde o vínculo é PJ, mesmo CLT através de Organizações Sociais e muita pressão de gestões, realmente se produz muita rotatividade”, explicou Marco. Como complementa Ricardo, a situação coloca desafios para um futuro não muito distante. Generalizar a contratação de médicos por meios temporários ou precários tende a enfraquecer o próprio conceito do SUS e sua ação longitudinal e também multiprofissional. “Dá pra ampliar o impacto do programa se qualificarmos as Equipes de Saúde da Família, o que não está acontecendo. Dos R$ 5 bilhões (custo anual do Mais Médicos), pode manter R$ 3 bi para garantir os médicos nas áreas vulneráveis, onde precisa, e pegar R$ 2 bi desse mesmo orçamento e colocar no processo de qualificação. É possível melhorar o programa com o mesmo orçamento”, afirmou, em defesa da retomada da criação de carreiras e vínculos estáveis não só para médicos como também outros profissionais que constituem a base do SUS. “Se pensarmos neste valor, conseguiríamos estruturar uma política de carreira para praticamente 100% das Equipes de Saúde da Família no Brasil em um intervalo de 10 anos. Isso faria com que os médicos viessem para a APS, porque está difícil o mercado de trabalho”, completa Marco Tulio, que tomou de exemplo o piso recém-implantado para Agentes Comunitários de Saúde, cujo impacto anual é R$ 12 bilhões. Na longa entrevista, ambos reconhecem o valor do Mais Médicos e não esquecem de todo o desmonte, inclusive financeiro, pelo qual passou o Estado brasileiro nos anos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Nesse sentido, apontam outro legado nefasto do período, cuja influência sobre o SUS é cada vez mais notada, e aqui se expressa no enfraquecimento da ideia de tripartição de sua gestão. “Tem a influência das emendas, mas tem uma coisa da própria lógica do governo anterior de fortalecer o Centrão, num contexto onde, para se preservar politicamente, Bolsonaro abdicou de certas prerrogativas de liderança política do Poder Executivo e as transferiu ao Legislativo. Isso acabou fortalecendo a gestão dos próprios municípios e dos parlamentares aliados, que agora não querem abrir mão desse espaço ganho. Perdeu-se a lógica da política indutora de uma construção e elaboração estruturante”, observaram. Leia entrevista completa: Considerado um sucesso no governo Dilma, o Mais Médicos foi encerrado pelo governo Bolsonaro, em sua intenção de trocá-lo por um programa que mal saiu do papel, em anos que acabaram marcados pelo esvaziamento da Atenção Primária em Saúde (APS) no Brasil. E se antes o programa era mais dependente de profissionais estrangeiros, agora tem uma versão ampliada, com muito mais profissionais contratados. No entanto, vocês apontam uma precarização da medicina, em especial de sua especialidade Família e Comunidade, nesta nova versão do programa. Qual a visão geral de vocês sobre essa retomada do Programa Mais Médicos e sua nova concepção? Marco Tulio Pereira: O SUS foi criado pouco antes de o país adotar uma concepção econômica e administrativa neoliberal, o que na saúde se refletiu em várias ações, a exemplo da criação das Organizações Sociais, para realizar a gestão privada de estabelecimentos públicos de saúde. Na atenção básica, não podemos dizer que o Mais Médicos criou a precarização, porque ela já existia, claro. Poucos municípios de fato oferecem carreiras municipais para médicos. Tal lógica, portanto, já existia. Nossa reflexão é que o Mais Médicos, uma solução muito importante para resolver o problema dos vazios assistenciais e provimento médico em áreas muito vulneráveis e remotas, passou a ser considerado uma solução de contratação de profissionais médicos para a APS no Brasil. Aqui, temos um vínculo precarizado porque se contrata por bolsa, como se fossem eternamente estudantes, o que se expressa através dos gatilhos formativos concedidos pelo programa, a exemplo do reconhecimento do título de especialista. Falamos de um cenário onde metade das Equipes de Saúde da Família (ESF) são contratadas com esse vínculo de bolsa do Mais Médicos. Ao não avançar numa agenda de regularização dos vínculos e criação de direitos trabalhistas para os profissionais médicos, que são trabalhadores como qualquer outra categoria profissional, o governo avançou na precarização a partir de uma política ministerial. Isso fez municípios que tinham situações regulares de contratação de profissionais médicos e histórico de concursos públicos em condições atrativas abandonarem tais práticas. Por exemplo: Florianópolis e Belo Horizonte passaram a não ter mais essa atratividade e só ofertam vagas através do Mais Médicos. Isso aprofunda o problema da precarização dos vínculos, inclusive em municípios que não o tinham, o que agora passa despercebido. O programa adota a racionalidade neoliberal de Estado em sua lógica de redução de custos da mão de obra, o que pouco parece mudar num governo de viés mais progressista com mais engajamento em políticas de justiça social? M.T.P.: Ouso dizer que, a partir de 2023, quando o ministério da Saúde lançou edital com o chamado modelo de coparticipação, o Mais Médicos pode ser caracterizado como uma contrarreforma trabalhista, pois o próprio ministério oferta aos municípios ferramentas para uma forma de contratação mais barata. Os vínculos de trabalho na atenção primária sempre foram, de maneira geral, precários, com exceção de alguns municípios de grande porte, com melhor estruturação de serviços, que conseguiam contar com recursos públicos e planos de carreiras. Isso tem várias outras dimensões, mas se produziu uma falta completa de atratividade dos médicos por tais vínculos de trabalho, que se tornam muito rotativos, como um primeiro emprego, temporário, pois ninguém quer construir carreira com este grau de precariedade. Talvez agora menos, a falta de profissionais sempre foi muito gritante no cenário da atenção primária. O Mais Médicos enfrentou essa questão, muito importante. Mas pela forma como está se estruturando e se consolidando também está se transformando numa forma hegemônica de contratação de médicos. Metade das ESF são vinculadas ao Programa, e não tem nenhuma perspectiva de transição para um vínculo trabalhista mais qualificado. É uma política emergencial de estabilização de médicos na atenção primária muito importante. Mas e no futuro? Vamos conviver com metade dos médicos que trabalham na atenção primária, nível de atenção tão importante para o funcionamento do SUS, como temporários e bolsistas? Isso não induz uma estruturação da política pública. Ricardo Heinzelmann: Precisamos vislumbrar uma transição a fim de estruturar a APS com vínculos mais estáveis, com mais atratividade. Inclusive agora, num cenário em que se carece de muito menos médicos no Brasil, pois o país e seu mercado de trabalho mudaram significativamente nos últimos 10 anos, em razão também da criação de faculdades de medicina. Mas da forma como está, é difícil que os futuros profissionais possam se interessar e se dispor a seguir a trajetória de se formar em Medicina de Família e Comunidade (MFC) e trabalhar no sistema de saúde. Nossa posição é: MFCs, profissionais que optaram por fazer uma especialidade praticamente exclusiva do SUS, precisam encontrar um caminho de trabalho minimamente atrativo. Não estamos falando de carreira de juiz ou do mercado de trabalho privado, mas de um mínimo de estabilidade e de perspectiva de carreira. Por exemplo: pelo painel do Mais Médicos, Santa Catarina tem 42% dos médicos da APS ligados ao programa. Pelo Censo das UBS, realizado no ano passado, 45% das Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Sul do Brasil têm médicos ligados ao programa. Falta tanto médico assim no Sul do Brasil? Recife tem 70% dos médicos ligados ao programa, uma cidade como Santa Maria, com faculdade de medicina, tem praticamente 100%… A estrutura da organização, da gestão do trabalho dos médicos na APS é, basicamente, orientada para os Mais médicos. M.T.P.: Eu trabalho no programa no município de Araripina, polo gesseiro do sertão do Araripe em Pernambuco, uma cidade média, 90 mil habitantes, que tem curso de medicina: das 32 Equipes de Saúde da Família, 27 são do Mais Médicos. As outras 5 são contratadas por CLT. O município nunca faz concurso público. Nunca criou uma estratégia de atração e fixação dos médicos e o Ministério da Saúde oferta a solução com vínculos por bolsa, temporários. É o que estamos vendo. O Mais Médicos está preenchendo os vazios assistenciais atribuídos ao governo anterior? As cidades que realmente tinham uma carência de profissionais também estão sendo providas? M.T.P.: O Mais Médicos tem o grande mérito de garantir o provimento de médicos no Brasil na atenção primária, isso eu afirmo categoricamente. Trabalho no sertão de Pernambuco, conheço o sertão e afirmo que aqui na região não falta médico. Em outros níveis de atenção faltam, nós estamos vivendo no hospital do Estado uma falta crônica de anestesistas. Tivemos uma situação gravíssima num hospital de referência para trauma de ortopedia e neurocirurgia com falta de neurocirurgiões. E o hospital tem recurso para contratar, mas as pessoas não aparecem. Na APS na nossa região, não falta médico, o que é fruto, essencialmente, do Mais Médicos. Isso o programa garante. Porém, o cenário do mercado de trabalho está mudando muito. Teremos alguma outra estratégia para regularizar a atuação desses médicos? A proposta atual é emergencial. R.H.: Dez anos depois do primeiro Mais Médicos, apuramos dados em que se constata que, do total de médicos, apenas 38% estão em municípios de alta e muito alta vulnerabilidade e 62% estão em municípios que não seriam o foco do Mais Médicos. Aqui entramos em várias discussões importantes. Uma delas é o próprio recurso financeiro investido no programa. É um programa bilionário, de mais de R$ 5 bilhões. Mas este valor não está orientado pelo princípio da igualdade, não se fez tal estratégia, porque estamos falando de municípios ricos. Tranquilamente, tais municípios poderiam abrir concurso e contratar médicos com condições mais atrativas. Mas fica mais fácil e cômodo ter o médico do programa garantido. Já os recursos financeiros, não são apenas relativos a salários. Por trás do Mais Médicos, tem uma estrutura gigante que envolve a oferta da especialização, os supervisores, os preceptores, a logística. Gasta-se muito para ter esse médico recebendo bolsa de municípios. A forma como está sendo conduzido o processo é equivocada. Atualmente, apenas 6% dos médicos do programa são da especialidade Medicina de Família e Comunidade. Não está sendo atrativo para médicos da especialidade. Porque, de fato, não tem perspectiva nenhuma de continuidade. Depois de quatro anos, o processo acaba, e aí vai acontecer o quê? Ninguém vai se mudar com filhos para um município sem perspectiva de carreira. Além disso, mais da metade dos médicos atualmente não teve revalidação da atividade profissional. Considerando a baixa possibilidade de passar da prova do Revalida, a maioria desses médicos, depois de quatro anos, não continuará trabalhando e pode não conseguir fazer a titulação em MFC. E aqui temos mais recursos, porque todo mundo está recebendo especialização em MFC, pois a adesão ao programa vale como uma pós-graduação. É um recurso milionário que está sendo investido em médicos que não vão ficar na atenção primária, pois da forma como o programa está moldado haverá rotatividade. Uma parte importante desses recursos poderia ser canalizada, por exemplo, para descentralizar os programas de residência, pois é um momento de utilização do médico em local de trabalho próximo à família. Poderia haver muito mais chance de expandir a APS com qualidade pela MFC, com outras estratégias. O Mais Médicos poderia ser direcionado para, de fato, áreas mais vulneráveis. Mas isso não acontece. Em 2023, quando entrevistamos Zeliete Zambon, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, no momento em que o programa foi recriado, havia uma visão positiva desses gatilhos de carreira que o governo instalava. Segundo a explicação da época, isso atrairia mais profissionais em relação ao primeiro programa, muito dependente de médicos estrangeiros. Agora, vê-se uma crítica justamente a essa ideia, inclusive como se fosse uma espécie de “atalho”, pois em vez de se promover a residência, cria-se uma espécie de concorrência, uma divisão na carreira. R.H.: Sim. A pós-graduação nunca vai substituir a residência. É interessante que eu estou nesses dois lugares. Eu estou vendo a nossa residência aqui em Santa Maria, na Universidade, e ao mesmo tempo eu sou tutor da especialização. Acompanho turmas nos dois cenários. É muito diferente. Não tem como comparar o padrão de formação da nossa residência, a qualidade com que os residentes saem depois de dois anos, e o da especialização. São estratégias que precisariam ser complementares, a especialização direcionada para situações de áreas específicas, de difícil acesso, alta vulnerabilidade. Mas o que aconteceu foi a especialização em massa enquanto a residência é deixada sem dinheiro. Os preceptores trabalham por amor mesmo. Ficamos implorando para eles receberem uma turma de residência. Como universidade pública, criamos cursos, eu faço treinamento, procedimento como habilitação para colocar DIU, a fim de dar alguma contrapartida profissional a quem adere, mas não há nenhum estímulo. E tais recursos poderiam ser usados para estimular os preceptores, inclusive para direcioná-los a mestrados e doutorados. Precisamos fazer uma revisão disso. M.T.P.: Eu acho correto ter programa de atrelamento da pós-graduação a algum processo formativo em programa de provimentos. Isso qualifica os médicos associados ao programa de provimentos, para terem alguma trajetória nesse sentido. Mas minha impressão é de que ninguém trabalha nos processos formativos do Mais Médicos para fazer pós-graduação. Ninguém foi atraído para o Mais Médicos por conta da pós-graduação. As pessoas foram atraídas para o Mais Médicos por dois motivos principais: 1) uma parcela grande de médicos do programa não tem atualização de diploma, são mais de 10 mil médicos que têm como única opção de trabalho o Mais Médicos; 2) os médicos que têm CRM no Brasil: uma parte são médicos que já trabalham no interior, são do município, trabalham ali com plantão, na UBS. Diante dos vínculos precaríssimos que existiam nos municípios, pelo patrimonialismo das gestões que se apropriam dos cargos públicos, tais profissionais veem no Mais Médicos uma maior estabilidade. Ser vinculado ao governo federal é mais garantido. O nível salarial não é muito superior, não é uma atratividade necessariamente financeira, mas de estabilidade. Outro ponto é que os recém-formados querem um primeiro emprego antes de buscar alguma especialização, ou ainda não procuram uma especialização. Eles não querem ser MFC. Inclusive, o Mais Médicos teve uma crise recente no processo formativo porque está muito mais robusto do que a versão anterior. Eu acho que esse é o elogio que a Zeliete fez. O processo formativo realmente está muito mais robusto. E muitos médicos não querem passar por este processo porque não querem se formar em Medicina de Família e Comunidade. Eles não veem a perspectiva de terminar esta especialização e fazer a prova de título. Não tem uma perspectiva positiva de carreira. Querem, basicamente, um primeiro emprego com o mínimo de estabilidade, um salário garantido, condição de estudar para a residência, ou de fazer pós-graduação no mercado privado e depois seguir uma trajetória específica. Eles não querem ser MFCs; quem quer faz residência médica. Tem um padrão de formação absolutamente melhor. Outra crítica que faço é: vincular a pós-graduação a programa de provimento me parece correto, mas ter como estratégia nacional de formação de especialista, não. O Mais Médicos deve ser direcionado para áreas e regiões realmente mais necessitadas, Amazônia Legal, algumas periferias de grandes cidades, partes do Nordeste, outras regiões que ainda estão se estruturando na atenção básica… Acho que pode ser um processo temporário de organização de operação da rede de APS. Espero que a atual concepção seja um processo de transição para uma formação central de médico de família por meio da residência médica, seguido de um caminho de fixação por meio de carreiras mais estáveis. O ministério da Saúde sabe que hoje falta menos médicos na APS do Brasil, pois os números são muito diferentes de 2013. O argumento agora não é uma questão tanto de faltar médicos, mas de fixá-los. E realmente a rotatividade é muito grande. Mas por que tem rotatividade? Em Florianópolis, entre os concursados, não tem rotatividade grande. Em Brasília tampouco. Mas em lugares onde o vínculo é PJ, mesmo CLT através de OS e muita pressão de gestões, realmente se produz muita rotatividade. Esse é o motivo da dificuldade de fixação de médicos. O ministério faz um conjunto de indenizações para incentivar médicos que não querem ficar na APS a permanecerem um pouquinho mais. Tais médicos, obviamente, num período de estruturação da vida, de dívida estudantil, aceitam ficar ali 3, 4 anos, mas depois seguem sua trajetória. É um caminho possível de organização e de fixação de médicos em algumas áreas de desenvolvimento? Talvez. Mas fazer disso o caminho de fixação de médicos por período de 2, 3 anos, com um custo financeiro bastante alto, não é o caminho ideal. Nós precisamos de outras estratégias mais estruturantes para estabilizar e fixar os médicos. É só olhar para a realidades dos municípios que fazem concurso público. Com carreira, os médicos ficam na APS e seguem uma trajetória para a formação em Medicina de Família e Comunidade, topam fazer residência e se especializar na área. Em alguma medida, o Médicos pelo Brasil tentou contemplar este aspecto que você coloca aqui? M.P.T.: O conflito que houve recentemente com os Médicos do Brasil é um exemplo. Quando se tem um mercado de trabalho minimamente atrativo, com mais recursos, um corpo de garantias e benefícios trabalhistas, os médicos vão aderir. No caso do Médicos pelo Brasil, os profissionais estão lutando para efetivar seus direitos e afirmam que estão se formando adequadamente, dentro de um processo formativo de dois anos, para depois se fixarem no local. R.H.: A questão da gestão é importante aqui. Se a gestão sinaliza que em algum momento vai ter um novo acelerador, como um concurso para MFC, vai ser muito disputado. Muita gente vai fazer. Hoje, o Brasil tem 14 mil MFCs e menos de 1.200 estão no Mais Médicos. Olha que desencontro. No cenário social que vejo, eles vão terminar a residência e se perguntar aonde vão trabalhar. Como pode o programa preencher quase 30 mil vagas, de acordo com o Governo Federal, e ao mesmo tempo MFCs terminam a residência sem saber onde vão trabalhar? Dessa forma, tem uma incapacidade da política construída em ver o novo cenário. De certa forma, faz uma leitura do cenário de 10 anos atrás. Na questão da abertura de vagas de escolas médicas, com todos os seus problemas (outro capítulo à parte, sobre a qualidade da formação, dentre outros), hoje temos um número muito grande de estudantes formados no interior dos estados. A formação está menos concentrada nas capitais e grandes centros. Para onde vão estes formados? Se conseguirmos fazer, de fato, um processo casado de ampliação das vagas em residência de Família e Comunidade em tais locais e fixar MFCs titulados, com concursos CLT, via AgSUS, eles ficariam ali, se forem ofertadas vagas com estabilidade. Porque foram os locais onde eles fizeram a graduação. Seria um plano mais estratégico. Um ponto que me gera incômodo é que, muitas vezes, o diálogo fica em torno de ser 100% a favor do Mais Médicos ou totalmente contrário, entende? Não existe, parece, uma possibilidade de fazer uma crítica no pensamento do SUS sobre o Mais Médicos, sobre aprimoramento dos procedimentos. Agora mesmo, discussões estão rolando a defender que o Mais Médicos não teve impacto nos indicadores. Tem vários profissionais da área, inclusive vinculados ao campo da direita, que adoram fazer críticas e detonar o Mais Médicos. Eu não concordo com a questão de não ter impacto nos indicadores, mas da forma como está caminhando vai ter um impacto menor do que o potencial nos indicadores de saúde do país, considerando os R$ 5 bilhões investidos. Dá pra ampliar o impacto se qualificarmos as Equipes de Saúde da Família, o que não está acontecendo. Dos R$ 5 bi, pode manter R$ 3 bi para garantir os médicos nas áreas vulneráveis, onde precisa, e pegar R$ 2 bi desse mesmo orçamento e colocar no processo de qualificação. É possível melhorar o programa com o mesmo orçamento. M.T.P.: É possível construir uma perspectiva de longo prazo. Tem 14 mil MFCs no Brasil e 53, 54 mil Equipes de Saúde da Família. Se for pensar em ter médicos de família em todas essas equipes, vai precisar de uma transição a longo prazo. Pode-se estruturar uma proposta a ser consolidada nos próximos 10 anos. Com o aumento gradual de investimento, pois é claro que um pico de concurso público é mais caro do que um pico de bolsista. É um dos eixos centrais. Optou-se por um caminho fácil, mais barato, em detrimento de um caminho mais estruturado. Mas se pensar numa transição de médio prazo, é possível que o Estado se organize. Houve opções políticas, inclusive no campo da saúde pública, que estruturaram políticas públicas, por exemplo, para garantia do piso salarial de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que foram muito mais disruptivas em termos orçamentários. A PEC que instituiu o financiamento federal de dois salários mínimos para os ACS faz com que o governo federal gaste, anualmente, mais de R$ 12 bilhões de reais para os nossos colegas. Uma ação superinteressante de garantir salários dignos, estabilidade, um piso salarial mais justo. Talvez mereça até uma progressão. E os aumentos salariais são acima da inflação, considerando que o salário mínimo, atualmente, é aumentado no Brasil acima da inflação anual. Se pensarmos neste valor, conseguiríamos estruturar uma política de carreira para praticamente 100% das Equipes de Saúde da Família no Brasil em um intervalo de 10 anos. Isso faria com que os médicos viessem para a APS, porque está difícil o mercado de trabalho. Para nós, formados há mais tempo, é mais estável. Mas para quem é recém-formado, com os MFCs que estão terminando a residência, estudantes sem emprego, como aqui no sertão de Pernambuco, é mais difícil. Vai ficar dando plantão, umas coisas muito ruins, substituindo profissionais de folga ou afastados. Na APS, não tem trabalho. E quem termina residência em MFC vai entrar no Mais Médicos e trabalhar com bolsa referente a uma formação que já possui? Como dito no início, o programa é de emergência, de provimento contra vulnerabilidades específicas. Portanto, avançar para a criação da carreira é uma questão de garantia da própria Atenção Primária em Saúde? Em última instância, deveríamos falar de um financiamento adequado da APS para que um programa como o Mais Médicos se torne uma necessidade superada? R.H.: É necessário o plano de carreira para todo mundo. Mesmo em países com sistemas de saúde bem desenvolvidos, investimentos pesados, como Austrália ou Inglaterra, se mantêm programas de provimento. Para algumas áreas de difícil acesso e integração, é necessário. Aqui, foi um programa elaborado há mais de 10 anos no contexto de toda aquela crítica à vinda dos médicos estrangeiros. Mas países com grande extensão territorial, como o Canadá, adotam a lógica de ter médicos que fiquem um tempo mais curto atuando em áreas remotas. Contextos específicos podem exigir programas de provimento. A questão é que passados mais de dez anos – claro que houve um intervalo importante nos governos de Temer e Bolsonaro – não construímos algo que possa superar o Mais Médicos. Talvez essa ampliação tenha sido importante para consolidar a APS no Brasil. Com a estabilização da política, é hora de construir um processo de transição nos pontos que nós estamos determinando aqui. Vai precisar de políticas de provimento em locais como a Ilha de Marajó, interiores do país, algumas regiões do Nordeste, ou regiões mais inóspitas… Mas 40% dos médicos de Santa Catarina, 30% de Florianópolis, 30% de Brasília? Isso não é provimento emergencial, tem uma outra coisa acontecendo. Cito o exemplo de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde moro. Um município que tem duas faculdades de medicina, dois programas de residência de MFC e é classificado com de muito baixa vulnerabilidade. A cidade tem 25 ESF e 18 médicos do Mais Médicos. É uma coisa absurda. Não tem nenhum motivo. Não tem sustentação tamanha quantidade de profissionais vinculados ao Mais Médicos num local onde se forma 180 médicos e 10 residências por ano. A troca do ministério da Saúde, com a entrada de Alexandre Padilha, que teve participação importante na construção da primeira versão do programa, quando era ministro, pode gerar essas mudanças aqui debatidas? M.T.P.: A Nísia Trindade fez uma boa gestão no Ministério da Saúde, é uma figura importante do campo da Saúde Pública, presidente da Fiocruz, teve um papel importante na pandemia e agora na reconstrução do Ministério da Saúde. Foi uma grande gestora. Não há uma grande mudança de rota com a chegada do Padilha, uma figura de uma trajetória na Saúde Pública identificada com os estudos progressistas, da reforma sanitária. É uma gestão de continuidade. O Padilha foi um bom ministro da Saúde no governo Dilma, trouxe políticas importantes. Acho que pode ter uma gestão exitosa. Temos esperança de que possa haver alguma abertura para um diálogo maior em relação a questões como essas. Desejamos que sua gestão traga outras perspectivas para o campo da Atenção Primária em Saúde, que possa abrir um canal de diálogo com os médicos de Família e Comunidade, para que possamos pensar na transição do Mais Médicos e uma estruturação de carreira para os trabalhadores da atenção primária. R.H.: Ele tem um conhecimento total do funcionamento do programa. Também considero que todo arranjo do ministério é uma mudança prática, não há ruptura em questões críticas. Já vínhamos em tentativas de diálogo entre nossas entidades com o ministério, sem êxito, mesmo tendo uma ótima relação. Mas, talvez, como toda mudança, possa ser uma nova oportunidade. Aparentemente, um dos grandes desafios de Padilha será lidar com a questão das emendas e das pressões que bancadas parlamentares têm exercido para acessar esse grande manancial de dinheiro destinado à saúde. R.H.: Do ponto de vista macro, tenho uma leitura de que o Ministério da Saúde é, digamos assim, refém dos municípios. Há uma atuação muito semelhante à lógica do Centrão no Congresso Nacional, em relação às políticas do ministério. Padilha é um quadro técnico. Talvez não tenha alguém mais capacitado para estar à frente da pasta. Mas devemos observar a seguinte contradição: deixamos de evoluir em discussões de ter no ministério a execução da função primordial de indução de mudanças na política da atenção básica para o ideal da autonomia municipal. Porque a Saúde ficou refém de discussões dos municípios, que por sua vez estão muito mais interessados no imediato do que na qualificação do processo de trabalho e organizações de pautas importantes para dentro das Unidades Básicas de Saúde. Eles estão interessados em reforma, construção de unidades, aquisição de equipamentos e ter médicos. Há uma crise, que se refere à gestão interfederativa do SUS, que passa pela crise da representatividade dos municípios, reféns da lógica das emendas parlamentares e seus acertos político-eleitorais. E o ministério ficou repreendido. Eu não sei até que ponto isso vai se aprofundar ou se haverá habilidade política para enfrentar. A tripartição do SUS foi enfraquecida? M.T.P.: Tem a influência das emendas, mas tem uma coisa da própria lógica do governo anterior de fortalecer o Centrão, num contexto onde, para se preservar politicamente, Bolsonaro abdicou de certas prerrogativas de liderança política do Poder Executivo e as transferiu ao Legislativo. Isso acabou fortalecendo a gestão dos próprios municípios e dos parlamentares aliados, que agora não querem abrir mão desse espaço ganho. Perdeu-se a lógica da política indutora de uma construção e elaboração estruturante. | A A |
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Infogripe: aumentam hospitalizações de crianças pequenas em estados do NordesteBianca MingoteO último Boletim InfoGripe da Fiocruz, divulgado no dia 3 de abril, aponta um crescimento do número de hospitalizações em crianças pequenas em vários estados da Região Nordeste, com níveis de incidência de moderados a altos. A publicação destaca que o aumento pode estar associado ao vírus sincicial respiratório (VSR) na Bahia e no Rio Grande do Norte, assim como no Pará, na Região Norte .O último Boletim InfoGripe da Fiocruz, divulgado no dia 3 de abril, aponta um crescimento do número de hospitalizações em crianças pequenas em vários estados da Região Nordeste, com níveis de incidência de moderados a altos. A publicação destaca que o aumento pode estar associado ao vírus sincicial respiratório (VSR) na Bahia e no Rio Grande do Norte, assim como no Pará, na Região Norte. O crescimento de SRAG entre crianças de até dois anos, associado ao VSR, com níveis de incidência de moderados a muito altos é observado em estados do Norte, no AC e AP, do Centro-Oeste, no DF e em GO, e no Sudeste, no ES, MG e SP. A edição também reforça que nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste é observada uma manutenção do aumento das hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) na população infantil até 2 anos, associadas principalmente ao VSR. No AC, AP, DF e GO, o crescimento entre crianças de até dois anos está associado ao VSR. O rinovírus também tem circulado de forma incisiva nas regiões Norte e Centro-Oeste, afetando especialmente crianças e adolescentes na faixa etária de dois aos 14 anos. Os estados afetados são AP, RR, MS e DF. A pesquisadora Tatiana Portella, do Programa de Computação Científica da Fiocruz e do Boletim InfoGripe, destaca que, considerando o cenário, é importante que pessoas com sintomas de gripe ou resfriado usem máscara ao sair de casa. Bons exemplos são as máscaras N95 ou PFF2. A pesquisadora afirma que também é essencial usar máscaras em postos de saúde, onde há maior exposição aos vírus respiratórios. Cenário nacionalO documento aponta, ainda, que 11 das 27 unidades federativas (UF) apresentam nível de incidência de SRAG em alerta, risco ou alto risco, com sinal de crescimento na tendência de longo prazo até a semana epidemiológica 13, que corresponde ao período entre 23 e 29 de março. As UFs nesta situação são Acre, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Norte e Roraima Em 2025, já foram notificados 28.036 casos de SRAG, sendo 38,8% testando positivo para algum vírus respiratório. Destes casos, 26,3% eram de vírus sincicial respiratório, 29,7% de rinovírus e 32,8% de Sars-CoV-2 (Covid-19). VacinaçãoA Campanha Nacional contra a Influenza começa oficialmente na segunda, 7 de abril. O Ministério da Saúde começou a distribuir 5,4 milhões de doses de vacinas contra a gripe para todos os estados das regiões Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Sudeste. Conforme a pasta, a previsão é de que a distribuição ocorra até o final de abril, totalizando 35 milhões de doses do imunizante pelo país. A distribuição começou dia 21 de março, mas a Saúde orientou estados e municípios a iniciarem a aplicação dos imunizantes assim que receberem as doses. Em relação à influenza, a pesquisadora Portella informa que ainda não foi observado aumento do número de casos graves no país, mas ela afirma que isso deve ocorrer no final de abril. Por este motivo, ela ressalta que é fundamental que todas as pessoas, principalmente as que compõem os grupos de risco, como idosos e crianças, sejam vacinadas. “Por isso a gente pede para que todas as pessoas dos grupos de risco estejam em dia com a vacinação contra o vírus”, reforça Portella. | A A |
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Covid-19: casos e mortes pela doença recuam mais de 12% na média móvel; influenza e VSR seguem em altaBianca MingoteAté o dia 5 de abril deste ano, foram registrados 175.694 casos de covid-19 no país e 1.236 óbitos pela doença. Dados do boletim da Semana Epidemiológica (SE) 14, do Ministério da Saúde, indicam que apenas nesta semana 7.477 casos da doença foram confirmados e 144 pessoas morreram. O documento informa que, em comparação com a semana anterior, os casos recuaram 12,72% e os óbitos, 12,43%. Apesar disso, o informe aponta aumento nos casos de influenza e vírus sincicial respiratório (VSR) no país. Até o dia 5 de abril deste ano, foram registrados 175.694 casos de covid-19 no país e 1.236 óbitos pela doença. Dados do boletim da Semana Epidemiológica (SE) 14, do Ministério da Saúde, indicam que apenas nesta semana 7.477 casos da doença foram confirmados e 144 pessoas morreram. O documento informa que, em comparação com a semana anterior, os casos recuaram 12,72% e os óbitos, 12,43%. Apesar disso, o informe aponta aumento nos casos de influenza e vírus sincicial respiratório (VSR) no país. Entre as unidades da federação que apresentaram maior taxa de incidência de covid-19 no período, variando de 2,8 a 11,7 casos por 100 mil habitantes, estão RS, GO, DF, SP e RO. Na vigilância sentinela de síndrome gripal, o documento aponta que foi observada uma tendência de aumento na positividade dos vírus influenza, principalmente influenza B e influenza A (H1N1). Conforme a publicação, nas SE de 12 a 14 a influenza A cresceu nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Com relação à vigilância de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), até a SE 14 foram notificados 13.754 casos hospitalizados em 2025, com identificação de vírus respiratórios. Nas últimas semanas, da SE 12 a 14, a predominância nos casos positivos foi de VSR (49%), rinovírus (26%) e influenza A (7%). Em relação aos óbitos por SRAG, no mesmo período, a covid-19 representou 43% das mortes, seguida por 24% rinovírus e 15% influenza A, com aumento relevante de casos por VSR, rinovírus e influenza A na última semana epidemiológica. Já os dados do do Boletim InfoGripe referentes à SE 14, que corresponde ao período de 30 de março a 5 de abril, apontam que 13 UFs apresentam incidência de SRAG em nível de alerta, risco ou alto risco, com sinal de crescimento na tendência de longo prazo até a SE 14: AC, AP, DF, ES, GO, MA, MT, MS, MG, PA, RN, RR e SE. A manutenção do aumento de SRAG em níveis de incidência de moderado a alto na maioria desses estados está atrelado em especial às crianças pequenas e está associada ao VSR. Já na faixa etária de 2 a 14 anos, a continuidade do crescimento em estados do DF, MG, RR e SE está relacionada principalmente ao rinovírus. Em Mato Grosso do Sul também é observado um início de aumento de casos de SRAG entre jovens, adultos e idosos, provavelmente associado à influenza A.
Vacina contra gripeO Ministério da Saúde iniciou a campanha nacional de vacinação contra a influenza no dia 7 de abril. A pasta informou que o imunizante disponibilizado na rede pública protege contra três vírus do tipo influenza e garante uma redução do risco de casos graves e óbitos provocados pela doença. O objetivo da Saúde é imunizar 90% dos grupos prioritários, que incluem crianças de 6 meses a menores de 6 anos, idosos e gestantes. Além disso, também podem receber a dose:
A distribuição da vacina contra a gripe começou no país no dia 21 de março. Até o final de abril, segundo a Pasta, 35 milhões de doses devem chegar a todos os estados das regiões Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Sudeste. Vacinação dos estudantesNo último dia 14, o Ministério da Saúde também começou a campanha de vacinação em escolas públicas de 5.544 municípios de todas as regiões do país. O intuito é vacinar quase 30 milhões de estudantes, o que representa 90% desse público nestas escolas. A imunização dos alunos está condicionada à autorização prévia dos pais e responsáveis dos menores. A campanha vai até 25 de abril.
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Doenças negligenciadas: como agir em plena crise climáticaDiretor do Ministério da Saúde relata como Brasil está prestes a eliminar algumas das enfermidades causadas por fatores estruturais, que afetam em especial os mais pobres. Entre novas medidas, um programa de transferência de renda para o tratamento Lançado há quase um ano, um silencioso programa do governo federal começa a trazer resultados importantes para a saúde pública na busca pela eliminação das chamadas doenças negligenciadas. Consideradas doenças socialmente determinadas, afetam em geral as fatias mais vulneráveis da população e também estão diretamente relacionadas a problemas estruturais, a exemplo do saneamento. Como explica Draurio Barreira, médico sanitarista e infectologista que ocupa a Diretoria do Departamento de HIV/AIDS, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do ministério da Saúde, o Programa Brasil Saudável já se aproxima de tais objetivos menos de um ano após seu lançamento. “A filariose linfática já foi eliminada e recebemos o certificado de eliminação da OPAS e da OMS no ano passado. Conhecida popularmente como elefantíase, não existe mais no Brasil. São sete doenças no caminho da eliminação. E há cinco infecções que necessariamente não são doenças, são transmitidas de mãe para filho, seja na gestação, seja no parto, seja na amamentação (chagas, hepatite B, HIV, HTLV e sífilis), que queremos eliminar”, contou em entrevista ao Outra Saúde. De acordo com dados oficiais, foram cerca de 600 mil infecções e 40 mil mortes para o conjunto das Doenças Tropicais Negligenciadas entre 2016 e 2020. São enfermidades evitáveis e cujo controle poderia liberar todo este contingente invisibilizado da população para uma vida melhor, o que também causaria impactos econômicos diretos e indiretos. Neste sentido, o governo deve lançar ainda hoje, 29/1, um novo programa de transferência de renda para incentivar portadores de tais doenças a seguirem o tratamento prescrito pelo SUS. Para isso, Draurio destaca que há estudos suficientes para corroborar a validade de tal investimento do Estado. “É uma ideia simples. A malária, a sífilis, as geo-helmintíases, a esquistossomose são algumas doenças que se tratam com injeções de uma, duas ou três doses. A ideia é criar um cartão de adesão que dê um determinado valor para a pessoa quando concluído o tratamento. Para as doenças de tratamento longo, tipo tuberculose ou hanseníase, que leva seis meses, até mais, ou a aids, cujo tratamento é para a vida toda, vamos discutir uma outra proposta”, explicou. Em termos práticos, atacar as doenças negligenciadas exige ações estrategicamente organizadas para cada território, de acordo com suas características epidemiológicas. Além disso, são ações que devem se coordenar com outras políticas – em especial saneamento, em muitos casos ainda responsável pela sua disseminação. Agora, chegou a hora de agir diretamente nas áreas vulnerabilizadas. Em sua concepção, o Brasil Saudável destaca a importância da questão ambiental na viabilização de metas, de maneira que o governo deve apresentar nas próximas semanas dois programas complementares, todos eles com vistas a coordenar ações entre mais de uma dezena de pastas do poder executivo. “O Ministério da Saúde tem pelo menos três programas muito sinérgicos para a eliminação das doenças, especialmente das doenças tropicais, negligenciadas e determinadas socialmente: o Programa Brasil Saudável, O Mais Saúde Amazônia, programa em fase final de elaboração, direcionado à região norte com uma pegada muito mais ligada à questão ambiental e um terceiro, ainda não batizado, que aborda justamente as questões de mudanças climáticas”, revelou. Confira a entrevista completa com Draurio Barreira. O que pode contar sobre o andamento do Programa Brasil Saudável, iniciativa lançada pelo governo para controlar doenças negligenciadas, quase um ano após seu lançamento? São cinco diretrizes. A primeira é o enfrentamento da fome e da pobreza. A segunda é a redução das iniquidades, proteção social e avaliação de direitos humanos, com foco em algumas populações mais vulnerabilizadas. A terceira é a qualificação da comunicação que envolve trabalhadores, movimentos sociais, organizações de sociedade civil, profissionais de saúde, porque não podemos pensar em eliminar doenças se elas não são conhecidas e se não há comunicação com a mensagem focada, precisa, correta. O quarto é o incentivo à ciência, tecnologia e inovação. E o quinto tem a ver com a infraestrutura, saneamento básico, meio ambiente e mudanças climáticas. Um esclarecimento importante é que não vamos erradicar as doenças. Este era o conceito entre 2000 e 2015, dentro do plano Objetivos do Milênio da ONU. Mas a Agenda 2030 trouxe uma mudança de paradigma: não falamos mais em controle ou erradicação, mas em eliminação. Tem uma diferença fundamental entre erradicação e eliminação, enquanto problema de saúde pública. Na história da humanidade, só uma doença foi erradicada, a varíola. Dentro do Programa Brasil Saudável, que visa atacar 11 doenças, não poderemos erradicar nenhuma. Só uma vacina que tenha 100% de eficácia com cobertura vacinal de 100% da população poderia fazer isso. Portanto, falamos em eliminação de um problema de saúde pública, uma tarefa que se divide em duas partes. De um lado, são doenças cuja transmissão queremos eliminar. Porque se em qualquer lugar do mundo houver um caso, não se pode falar em erradicação, menos ainda num mundo com as atuais conexões de transporte, comércio, turismo etc. No momento, temos medo de uma epidemia do mpox, que é prevalente na África, ainda que não tenhamos casos e óbitos há dois anos no Brasil. A meta é fazer com que doenças como chagas, a esquistossomose, a oncocercose, a geo-helmintíases e o tracoma deixem de ser problemas de saúde pública. Quais os objetivos para este ano? Há possibilidade de se conseguir eliminar algumas das doenças incluídas no plano de ação a curto prazo? A filariose linfática já foi eliminada e recebemos o certificado de eliminação da OPAS e da OMS no ano passado. Conhecida popularmente como “elefantíase”, não existe mais no Brasil. Queremos eliminar doenças no Brasil até o ano de 2030, em termos de deixarem de ser um problema de saúde pública. São sete doenças no caminho da eliminação. Já as outras quatro – tuberculose, hepatite, aids e hanseníase – não conesguiremos para eliminar a transmissão. Em relação a tais doenças, que têm alta capilaridade, inclusive no mundo rico, queremos atingir as metas pactuadas com a OMS. Na tuberculose, a meta é ter menos de 10 casos por 100 mil (hoje são 38). Na aids, é atingir a meta “95, 95, 95”. Ou seja, detectar 95% das pessoas que se estima ter HIV, o que no Brasil é algo como 1 milhão de pessoas (nós detectamos 960 mil); colocar 95% dessas pessoas em tratamento antirretroviral, hoje em torno de 82%, infelizmente, porque há muita gente que não sabe ter a doença e outros que por razões de estigma e preconceitos não se tratam; e, por fim, fazer com que 95% tenham seu quadro viral indetectável. Assim, no dia em que atingir o objetivo “95, 95, 95”, poderemos dizer que a aids está eliminada do Brasil como um problema de saúde pública. Continuaria existindo, mas controlada dentro dessas metas internacionais. Além dessas 11 doenças, 7 para eliminar a transmissão e 4 para atingir as metas pactuadas, há 5 infecções que não necessariamente são doenças, pois são transmitidas de mãe para filho, seja na gestação, seja no parto, seja na amamentação. Essas infecções são chagas, hepatite B, HIV, HTLV e sífilis. A meta é eliminar sua transmissão vertical, ou seja, de mãe para filho. E para tal objetivo ser atingido será necessário um trabalho de território? Sim. Nesse sentido passamos seis ou sete meses em articulação com 14 ministérios, a sociedade civil e principalmente movimentos sociais de pessoas afetadas por essas doenças. Há movimentos fortes formados por pessoas afetadas por aids, tuberculose, hanseníase, chagas e as doenças chamadas negligenciadas, a exemplo de oncocercose, tracoma, filariose… Também trabalhamos em conjunto com a academia, a Fiocruz, organismos internacionais, foi um período de muita articulação e planejamento, com dezenas de mãos, apoio de Banco Mundial e BID. Quando terminamos o processo, era final de setembro, época pré-eleitoral, o que nos impediu de ir para os territórios orientar as ações, até porque em muitos casos haveria troca de gestores. Agora, começa o trabalho de campo e vamos fazer a primeira atividade em nível local em Roraima, na capital Boa Vista, na semana de 3 a 7 de fevereiro, onde iremos iniciar ações de combate ao tracoma, uma IST praticamente restrita à região norte e até mais especificamente ao estado de Roraima. Também iniciaremos um trabalho de campo focalizado em algumas doenças sobre as quais talvez exista um sobredimensionamento a respeito de sua incidência. Há dúvidas se não teríamos já eliminado hepatites B e C. Baseamo-nos no modelo da OMS e dos Estados Unidos, mas é possível que os números sejam superestimados. É o que iremos descobrir ao fazer o trabalho nos territórios, através de estudos de prevalência, para saber qual é o número real de pessoas vivendo com hepatites B e C. Eu não posso garantir que vamos eliminá-la como problema de saúde pública. Mas, a partir de um estudo para conhecer a real prevalência, talvez tenhamos surpresas agradáveis, de estar perto ou já ter eliminado. A filariose já foi eliminada. Tracoma deve ser neste ano. A transmissão vertical do HIV também já está eliminada, resta o país receber o certificado. A oncocercose deve ser eliminada até o ano que vem. E tem a aids, para a qual nosso projeto é alcançar o “95, 95, 95”. Além do trabalho no território, tem projetos estratégicos que visam justamente eliminar ou contribuir para isso por meio de alguma coisa específica. Usarei dois exemplos bem rápidos e simples: um é o tracoma. Queremos financiar projetos que acabem com o tracoma nos poucos municípios em que ele ainda existe. É muito provável que consigamos financiar projetos em 10 municípios e o eliminemos definitivamente, um exemplo de projeto estratégico. O segundo exemplo é a aids. Já atingimos o primeiro e terceiro indicador 95, falta o item de pessoas em tratamento. Estamos fazendo um projeto estratégico de aumentar a adesão e a retenção das pessoas em tratamento. Com isso, a aids seria eliminada como problema de saúde pública. O cenário é bastante positivo. Fala-se também na criação de um programa de transferência de renda para quem fizer os tratamentos de tais doenças. Sim, é uma ação entre os ministérios. Já tivemos uma reunião com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e nesta semana faremos uma reunião entre a ministra Nísia Trindade e o ministro Wellington Dias, com as secretarias executivas da Saúde e do Desenvolvimento Social, para criar este mecanismo. É uma ideia simples. A malária, a sífilis, a geo-helmintíases, a esquistossomose são algumas doenças que se tratam com injeções de uma, duas ou três doses. A ideia é criar um cartão de adesão que pague um determinado valor para a pessoa quando concluído o tratamento. Para as doenças de tratamento longo, tipo tuberculose ou hanseníase, que leva seis meses, até mais, ou a aids, cujo tratamento é para a vida toda, vamos discutir uma outra proposta, com um cartão de prazo mais esticado, talvez um ano, que vise só a adesão ao tratamento. Com isso, talvez possamos atingir o segundo 95 da aids e dizer que a eliminamos como problema de saúde pública. Existem estudos e histórico de impactos sociais e econômicos de programas de renda para tratamentos de doenças? Nós aqui no Ministério, em 2016, publicamos em revistas internacionais um estudo junto com parceiros da Universidade Federal da Bahia e da Universidade de Londres mostrando que beneficiários de Bolsa Família tinham uma taxa de cura 11% maior em relação às pessoas do mesmo nível socioeconômico, raça, cor, idade, que não o recebiam. A cura é muito maior em quem tem assistência social. No dia 5, foram publicados em periódico internacional dois trabalhos mostrando que a incidência da tuberculose caiu 41% entre os beneficiários do Bolsa Família e a mortalidade caiu 31%. Existe muita evidência científica da importância do suporte social para essas doenças negligenciadas ou de determinação social. E por que eu digo isso? Além das evidências, tais doenças não existem no Hemisfério Norte. Não existem essas doenças em nenhum país rico. São doenças determinadas socialmente mesmo. Foi publicado pelo Banco Mundial que para cada dólar investido na cura da tuberculose há uma economia de 54 dólares pelo fato de a pessoa não adoecer, não passar 6 meses em tratamento, não onerar o sistema de saúde. A tuberculose é considerada uma doença de custos catastróficos, porque além do tratamento — que no Brasil, felizmente, é de graça — a pessoa se afasta do trabalho, infecta outras pessoas. Enfim, tem um impacto social e econômico muito grande. A eliminação de tais doenças não está diretamente relacionada a avanços na gestão ambiental das cidades e preservação dos ecossistemas? Exatamente. Por isso políticas de manejo ambiental são parte das diretrizes deste plano, além do enfrentamento da fome e da pobreza, por isso uma necessidade de alinhar vários ministérios. Por exemplo, eu acabei de falar do MDS e de um cartão adesão. É um exemplo de transferência de renda e de assistência social. Com o Ministério das Cidades, estamos pactuando que toda pessoa em situação de rua portadora de uma dessas doenças abarcadas pelo Brasil Saudável, especialmente tuberculose, hanseníase, HIV e hepatite, tenha um acesso acelerado ao Minha Casa Minha Vida. Queremos garantir que as pessoas que têm essas doenças tenham acesso à moradia. Não tem como passar meses tratando essas doenças morando na rua. É necessária uma habitação decente. Já o tracoma e a oncocercose são fruto de água infectada, de falta de saneamento básico. Estamos falando com o Ministério dos Povos Indígenas, a FUNASA e o Ministério de Desenvolvimento e Integração Regional, para garantir água de qualidade e tratamento básico nos territórios indígenas. Para eliminar a esquistossomose, a doença do caramujo, que só dá em água suja. E isso vai ser priorizado pelo Ministério das Cidades em todas as cidades que tenham esquistossomose como problema de saúde pública. O Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, que aparentemente não tem nada a ver com questões sociais, abriu um edital de quase 1 R$ bilhão para pesquisa em doenças negligenciadas. O Ministério da Educação tem um papel fundamental na educação dos profissionais de saúde, com foco nas questões sociais. Portanto, para cada um dos 14 ministérios, há ações específicas que vão contribuir com a eliminação dessas doenças. E é exatamente isso que fizemos ao longo do ano passado na articulação entre os ministérios e agora começou a se consolidar. Há projeções de doenças tidas como evitáveis se ampliarem em razão da emergência climática? Sim, daí a necessidade da integração de diferentes programas. O ministério tem pelo menos três programas que são muito sinérgicos na questão da eliminação das doenças, especialmente das doenças tropicais, negligenciadas e determinadas socialmente: o Programa Brasil Saudável, O Mais Saúde Amazônia, programa em fase final de elaboração, direcionado à região norte com uma pegada muito mais ligada à questão ambiental e um terceiro, ainda não batizado, que aborda justamente as questões de mudanças climáticas. Por exemplo, a questão das inundações do Rio Grande do Sul, que fazem crescer todas as doenças de transmissão hídrica, inclusive essas priorizadas pelo Brasil Saudável. As mudanças climáticas determinam o agravamento de algumas dessas doenças. Tratar uma doença crônica como aids ou tuberculose é extremamente prejudicado quando se tem um alagamento, como foi no Sul, que exige toda uma reconstrução de infraestrutura. Assim como na seca, na região norte, os rios secos impedem as pessoas de chegar a uma unidade de saúde. São infinitos exemplos de doenças que são agravadas ou ressurgem por questões climáticas. E isso é um foco, especialmente na questão da infraestrutura e do saneamento básico. É um programa realmente muito holístico, que abarca desde a questão da fome, da pobreza, da proteção social, até a ciência e tecnologia e questões elementares como infraestrutura e saneamento básico. | A A |
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A A | Piso da enfermagem: possível equiparação salarial entre auxiliares e técnicos causa pouco impacto financeiro, defende CofenMarquezan AraújoEm meio aos debates sobre a reivindicação dos auxiliares de enfermagem pela equiparação salarial com os técnicos da categoria, o Conselho Federal de Enfermagem considera que, a depender do caso específico, igualar as remunerações seria justo e não elevaria os custos de forma expressiva. Em meio aos debates sobre a reivindicação dos auxiliares de enfermagem pela equiparação salarial com os técnicos da categoria, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) considera que, a depender do caso específico, igualar as remunerações seria justo e não elevaria os custos de forma expressiva. Ao Brasil 61, o vice presidente da entidade, Daniel Menezes, explicou que, pelo que prevê a legislação, auxiliar e técnico de enfermagem desempenham atividades distintas, porém, na prática, alguns desses profissionais contam com registros para atuar das duas formas. Diante disso, esse grupo é contratado como auxiliar, mas lhes são atribuídas tarefas específicas para técnicos. “O que ocorre é que, muitos dos auxiliares de enfermagem têm a formação de técnico de enfermagem e, nesse sentido, nós entendemos que, nesses casos específicos, a equiparação salarial até faz sentido, como forma de reconhecer a execução das atividades de técnico para aquele que é devidamente formado e habilitado para essa categoria, e que as instituições de saúde repassam a esses tarefas mais complexas, que são aquelas que estão previstas na lei do exercício profissional”, destaca. Piso da enfermagem: estados e municípios recebem mais de R$ 675 milhões, em janeiro Segundo Menezes, nos últimos anos, houve uma redução significativa na quantidade de auxiliares de enfermagem, por conta da formação que eles têm feito para técnico. Com isso, ele entende que, atualmente, a maioria dos profissionais são técnicos de enfermagem, o que não acarretaria num aumento significativo de despesas caso a equiparação seja efetivada. “Apenas uma parcela pequena mantém o registro e atua como auxiliar de enfermagem, especialmente aqueles que ingressaram no serviço público por meio de concurso público, através do cargo de auxiliar de enfermagem”, pontua. Ainda de acordo com o vice-presidente do Conselho, enquanto os auxiliares de enfermagem representam 470 mil inscrições, as de técnico são praticamente 1,9 milhão. Desses, a grande maioria tem duplo registro que atendem às duas categorias. Na avaliação do especialista em orçamento público Cesar Lima, a equiparação terá, de fato, um impacto fiscal nas contas públicas, uma vez que pode representar mais aplicação de recursos públicos para fazer a compensação financeira que garante o pagamento do piso dessas categorias. Outro impacto, segundo ele, poderia ser causado na empregabilidade dos auxiliares na rede privada. “Do lado privado, acho que pode ser um erro dos auxiliares, porque quando um hospital vir que, para ele, tanto faz contratar um técnico quanto um auxiliar, claro que ele vai preferir ficar com o técnico em detrimento dos auxiliares. E do lado público, com certeza terão que ser feitos ajustes orçamentários para arcar com esses novos custos”, considera. | A A |
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A A | Gripe aviária: o preço a pagar pela inação dos EUAPara epidemiologista, modelo predatório da agropecuária e descaso de governo e empresas estadunidenses, mais efeitos das mudanças climáticas, estão por trás do fracasso do país em controlar a H5N1 – que, de lá, ameaça todo o mundo… A morte de um homem nos Estados Unidos por gripe aviária, anunciada pelas autoridades sanitárias locais no último dia 6/1, vem sendo entendida como marco de um novo momento para a epidemia da doença. Trata-se do primeiro óbito ligado ao subtipo H5N1 do vírus, o mais associado ao atual surto, no país que se tornou o epicentro dos novos casos. Em pronunciamento, a Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA) avaliou que “a situação ressaltou a importância de que o risco seja enfrentado” e que se impeça o vírus de “circular entre aves, porcos, vacas e animais silvestres”, pois é “aí que uma mutação do vírus pode ocorrer e potencialmente criar uma pandemia”. Entrevistada por Outra Saúde, a epidemiologista Ligia Kerr, que é professora titular da UFC (Universidade Federal do Ceará) e ex-vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), explica que não é possível estimar quando essa temida mutação poderia acontecer. No entanto, ela destaca que o fracasso das autoridades sanitárias estadunidenses em interromper – ou pelo menos mitigar – a circulação do agente patogênico aumenta a probabilidade de que ele ganhe a capacidade de passar de humano para humano. Dado esse salto, o número de casos e óbitos tenderia a aumentar vertiginosamente. Paralisia dos EUA piorou a situaçãoÉ nesse sentido mais abrangente que a epidemiologista – reconhecida por sua contribuição à resposta do Brasil a uma série de doenças transmissíveis, como hanseníase, HIV/aids, zika e, mais recentemente, a covid-19 – aponta os fatores que levaram os Estados Unidos a se tornar, neste momento, um país com um número discrepante de casos da doença. “Os EUA estão tendo muita dificuldade de fazer o controle das questões do clima, principalmente porque não fazem nenhum esforço real”, ela alerta. No mais populoso país da América, que possui um forte setor agropecuário, o vírus “pulou” muitas vezes das aves silvestres para as aves de criação. Dados disponibilizados no último dia 6/1 pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em um painel interativo sobre a situação da H5N1 nas Américas revelam a extensão do problema: dos 67 casos em humanos desde 1º de janeiro de 2024 no continente, 66 foram nos EUA; dos 1.300 surtos entre animais, cerca de 1.100 também foram naquele país. Circulando praticamente sem controle nos EUA, o agente patogênico sofreu numerosas mutações. Em março de 2024, como explica um estudo no New England Journal of Medicine, foi identificado o primeiro caso de transmissão da H5N1 de uma vaca para um humano. Na sequência, cresceu entre os especialistas o temor do surgimento de uma nova variante, capaz de transmitir o vírus de pessoa para pessoa. “Não dá para dizer exatamente quando vai ocorrer essa mutação, porque não é assim que elas funcionam, mas vale notar que o vírus agora está sendo transmitido a partir de mamíferos, que são animais mais próximos de nós. Ou seja, a chance está aumentando”, esclarece Ligia Kerr. O homem recentemente falecido no estado de Louisiana estava infectado com um vírus do clado associado à infecção de aves, e não mamíferos. Ele contraiu a doença após ser exposto a uma criação de galinhas em que havia animais infectados, disseram as autoridades locais. O fato aponta para o segundo fator fundamental, além das mudanças climáticas, a agravar a crise da H5N1 nos Estados Unidos: a hegemonia de um modelo econômico predatório na pecuária. “A maneira como se está produzindo carne e outros produtos derivados de galinhas e vacas é um problema. Se concentra um número gigantesco de animais em condições sujas, estressantes, com pouco espaço. Eles ficam muito mais vulneráveis a essas doenças e, por consequência, nós também ficamos”, aponta a epidemiologista. Como o Brasil encara o problemaNo Brasil, esclarece Ligia, os casos da gripe aviária nos últimos anos se restringiram basicamente a aves silvestres e a atuação das autoridades tem sido eficaz – pequenos surtos em criações de subsistência foram rapidamente identificados e contidos com o apoio do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), por exemplo. Em outubro, foi renovado o estado de “emergência zoosanitária” em todo o território nacional para manter a vigilância contra o vírus. No ano passado, o Ministério da Saúde (MS) publicou um Plano de Contingência do Setor Saúde para Influenza Aviária e um Guia de vigilância da influenza aviária em humanos. Complexo, o cenário também envolve uma questão de classe. A maior parte dos casos humanos de H5N1 notificados pelos EUA envolvem trabalhadores que têm contato com animais em seu dia a dia – como aqueles que são funcionários de granjas e fazendas de gado. O fato é de particular interesse para nosso país, em que a criação e o abate de animais tem importante peso econômico e numerosa mão de obra. “Além do papel do Mapa, o MS já vem preparando ações e equipes para a vigilância e situações de emergência. Mas penso que deve haver ainda mais integração, envolvendo também o Ministério do Trabalho”, adiciona a epidemiologista, referindo-se ao risco maior que correm os funcionários de estabelecimentos que manipulam animais vivos e mortos no seu dia a dia. Não são poucos os brasileiros que trabalham em granjas, fazendas de criação de gado, açougues e abatedouros – e é comum que suas condições de trabalho estejam bem aquém do que seria digno. Além disso, está em gestação no país uma vacina contra a gripe aviária. Em agosto do ano passado, o Instituto Butantan submeteu à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) uma solicitação para dar início às pesquisas clínicas do imunizante. “O Butantan incluiu vacinas com a cepa H5N1 nos ensaios pré-clínicos, por também se tratar de uma variante altamente patogênica, permitindo uma mudança de cepa caso essa variante se espalhe”, diz comunicado da instituição à época. Uma nota de dezembro da Agência Gov indica que o estudo está na fase 2, e que a vacina poderá ser “fornecida ao SUS no futuro”. Contudo, frisa Lígia, é preciso ter em mente que não haverá solução sem uma intervenção mais sistêmica: “É claro que você tem que ter vacina e ações de emergência para impedir que o vírus se alastre, já que ele está chegando mais perto da transmissão entre humanos. Mas também é preciso destacar que, sem ações mais estruturais para enfrentar a crise climática, haverá novas situações assim”. A despeito da situação estável no Brasil, ela reforça que as ações de vigilância epidemiológica não bastam. Mudanças estruturais no setor agropecuário são a melhor chance para impedir que o enorme surto da H5N1 nos EUA se desdobre em um evento pandêmico. Além disso, medidas ambientais e climáticas de fundo são essenciais para evitar a disseminação global de outros vírus altamente patogênicos, que possam gerar novas pandemias. “Grande parte dos eventos pandêmicos e epidêmicos recentes, inclusive a covid-19, têm ligação com a destruição do habitat de animais silvestres. Nós temos que parar de tratar a natureza desse jeito. Não tem por onde escapar, se não mudarmos, vamos ter outras epidemias e pandemias”, conclui a epidemiologista. | A A |
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Poluição: o problema da falta de monitoramentoEstima-se que 8 milhões de pessoas morrem por ano por má qualidade do ar. Mas faltam informações mais detalhadas sobre o risco ambiental em um terço dos países, em especial os mais pobres. Guerras também aumentam poluição e impedem monitoramento Por Stefan Anderson, no Health Policy Watch | Tradução: Gabriel Brito Mais de um terço dos países no mundo não realiza monitoramento governamental da qualidade do ar e deixa quase um bilhão de pessoas sem informações sobre um dos maiores riscos à saúde, revelou um novo relatório nesta sexta-feira, 13/12. A avaliação da OpenAQ, uma organização sem fins lucrativos que mantém o maior banco de dados de medições de qualidade do ar de código aberto, identificou lacunas significativas no rastreamento e compartilhamento de dados sobre qualidade do ar pelos governos, especialmente em países de baixa e média renda. O relatório bienal é a única avaliação global sobre se e como os governos nacionais produzem e compartilham dados de qualidade do ar com o público. 36% dos países não possuem monitoramento governamental da qualidade do ar, e 90% das pessoas em nações sem programas de monitoramento vivem em países de baixa e média-baixa renda, onde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), altos níveis de poluição e taxas de doenças tornam as populações especialmente vulneráveis. Além disso, 9% dos países coletam dados governamentais sobre qualidade do ar, mas não os compartilham publicamente e ampliam ainda mais a lacuna no acesso público a esse dado crítico. A poluição do ar é uma das principais causas de morte e incapacidade nos países mais populosos sem monitoramento, como a República Democrática do Congo, Tanzânia, Afeganistão e Irã. O progresso na ampliação do monitoramento permanece lento, com apenas um aumento de 3% no número de países que realizam monitoramento nacional ou subnacional desde 2022. “Para oferecer ar limpo para todos, os governos precisam não apenas rastrear a qualidade do ar, mas também oferecer um conjunto de dados acessíveis e de qualidade”, disse a Dra. Colleen Rosales, Diretora de Parcerias Estratégicas da OpenAQ. “Bilhões de pessoas não sabem o que estão respirando e mereciam uma maior transparência de dados.” Riscos da poluição do arA poluição do ar, principalmente de emissões de combustíveis fósseis, mata mais de oito milhões de pessoas anualmente e custa mais de 8 trilhões de dólares em todo o mundo. É tida como o maior risco ambiental à saúde. Seu impacto na expectativa de vida é equivalente ao do tabagismo e supera os do uso de álcool, acidentes de trânsito e HIV/aids. A exposição a poluentes no ar afeta a saúde desde o nascimento, causando doenças respiratórias, problemas cardiovasculares e questões de desenvolvimento. Bebês, crianças pequenas e comunidades de baixa renda enfrentam os maiores riscos. Dados da OMS mostram que 99% das pessoas no mundo respiram ar insalubre todos os dias. Benefícios de dados transparentes![]() Embora ONGs, instituições acadêmicas e empresas privadas monitorem a qualidade do ar, os dados governamentais oferecem um valor mais preciso, por meio de medições contínuas e abrangentes. Diferentemente de estudos limitados no tempo, o monitoramento governamental rastreia uma ampla gama de poluentes, auxiliando na conformidade regulatória, em pesquisas de saúde e na previsão da qualidade do ar. Apenas 55% dos governos compartilham dados sobre qualidade do ar publicamente, e apenas 27% o fazem de forma totalmente transparente e acessível, segundo o relatório. A lista de países sob graves crises de poluição que continuam a faltar com transparência incluem China, Rússia, Índia, Paquistão e outras sete nações com populações de pelo menos 70 milhões de pessoas. “Embora muitos países populosos tenham compartilhado parcialmente seus dados de qualidade do ar, um aumento na transparência poderia beneficiar mais de 4,5 bilhões de pessoas”, destaca o relatório. ![]() Desafios para o monitoramentoQuase um bilhão de pessoas vive em países sem monitoramento da qualidade do ar, mas a inação governamental nem sempre é a causa. Muitos países, especialmente de baixa e média renda, carecem de financiamento e expertise técnica para implementar sistemas de monitoramento. Além disso, guerras e conflitos civis interromperam esforços de monitoramento. Por exemplo, sistemas de monitoramento desmoronaram na Ucrânia e na Palestina devido às guerras em curso, enquanto conflitos civis no Sudão impedem qualquer progresso na infraestrutura de vigilância do ar. Pesquisas indicam que a poluição do ar em zonas de guerra pode causar mais mortes do que bombas. Na Ucrânia, o uso de armas aumentou significativamente os níveis de poluentes prejudiciais, como material particulado de até 2,5 mícrons (PM2.5) e dióxido de nitrogênio (NO2), em cidades próximas aos combates, impactando severamente a saúde pública. | A A |
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A A | EUA e OMS: impasse na saúde globalTrump notifica que pretende sair da agência. Para especialistas, efeito pode ser de “perde-perde” – e comprometeria ações decisivas em todo o mundo, inclusive na saúde mental. Busca coletiva da solução é indispensável
Por Claudia Braga, em sua coluna para Outra Saúde Desde os resultados da última eleição presidencial dos Estados Unidos, experts têm refletido sobre os possíveis impactos de uma eventual saída do país da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesta segunda-feira (20/1), com o anúncio de uma ordem executiva de Donald Trump que estabelece que “os Estados Unidos pretendem deixar a OMS”, esse debate ganhou destaque na mídia. Quais são as implicações disso para os EUA, para a OMS e para o mundo? Esse é um debate em aberto, e analistas têm apresentado diferentes perspectivas. Um ponto crucial a destacar é que o verbo “pretender”, usado na ordem executiva — e também em uma nota pública da agência das Nações Unidas, emitida em resposta — é chave aqui: uma eventual saída não pode ser imediata. Para muitos, a saída dos Estados Unidos seria uma situação de perde-perde: perdem os EUA, perde a OMS – e, com isso, perde o mundo e as pessoas. Por um lado, a OMS poderia enfrentar impactos financeiros significativos, pois os EUA são um dos maiores contribuintes, tanto em contribuições obrigatórias quanto voluntárias – estas últimas representando o maior desafio. Também seriam comprometidos esforços globais pela saúde que vão desde segurança sanitária até o acesso a serviços básicos em nações que dependem quase exclusivamente da OMS. Mas os EUA também têm a perder. Deixar a OMS significa significaria abrir mão de ser parte de redes globais de vigilância em saúde. Agências como os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), que colaboram com a OMS em pesquisas e emergências, perderiam acesso a dados globais com que a agência das Nações Unidas trabalha e que são cruciais para orientar decisões nacionais de saúde pública. O mesmo impacto recairia sobre a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA), que também mantém parcerias estreitas com a OMS. Além disso, há os Centros Colaboradores que, ao colaborarem com a OMS, se beneficiam dessa relação – caberia manter centros em um país que não é membro da organização? Publicada no dia seguinte ao anúncio da medida de Trump, a nota da OMS “lamenta o anúncio de que os Estados Unidos da América pretendem se retirar da Organização”. A agência relembrou que “os Estados Unidos foram um membro fundador da OMS em 1948 e têm participado da formação e governança do trabalho da OMS desde então, ao lado de outros 193 Estados-membros, inclusive por meio de sua participação ativa na Assembleia Mundial da Saúde e no Conselho Executivo”, assinalando que “as instituições americanas contribuíram e se beneficiaram da filiação à OMS”. Destacando os problemas que a decisão pode acarretar para os EUA, o jornal The New York Times, por exemplo, publicou que a “saída da OMS prejudicaria a posição da nação como líder global em saúde e tornaria mais difícil combater a próxima pandemia”. De fato, participar da agência significa integrar esforços globais para ampliar o acesso à saúde para todos. Além disso, a presença na organização permite aos países influenciar debates globais, participar de respostas conjuntas e beneficiar-se de trocas estratégicas, como acesso a informações de primeira linha e pesquisas científicas avançadas essenciais para a saúde pública. Em resumo, estar na OMS traz ganhos globais e nacionais diretos. Já considerando os problemas que a decisão pode representar para o mundo, vale lembrar que a decisão sobre pretensão de saída da OMS foi anunciada junto de um pacote de ordens executivas, incluindo uma que estabelece uma pausa na assistência ao desenvolvimento de outros países por 90 dias – o que, na prática, pode levar à interrupção de tratamentos em saúde por todo o mundo. No Quênia, por exemplo, cerca de 1,3 milhão de pessoas que vivem com HIV têm acesso a tratamento adequado por meio de programas sustentados pelo fundo global de saúde e por agências da ONU. Para completar, debate-se que a retirada da OMS teria potencial impacto sobre a liderança global dos EUA em saúde, que poderia ser enfraquecida. Por isso tudo, há quem argumente que a ordem executiva é negociável e revogável. E há espaço real para isso. Retomando o texto da ordem, ela afirma que os “os Estados Unidos pretendem se retirar da OMS”. Por que o verbo “pretender”? Conforme a legislação dos EUA, a saída de um tratado internacional exige que o país informe sua intenção com um ano de antecedência e quite suas obrigações financeiras com a organização no atual ano fiscal – pagamentos geralmente realizados em janeiro. Isso implica que a ordem executiva é, na prática, um aviso inicial. Em entrevista à DW, Lawrence Gostin, professor de legislação em saúde global e diretor do WHO Collaborating Center on Public Health Law and Human Rights na Universidade de Georgetown, argumentou que o presidente Trump é conhecido como um “negociador” e poderia usar essa medida como ferramenta para pressionar por mudanças na OMS – apesar de a organização já ter implementado reformas importantes nos últimos sete anos. Outro argumento recorrente é que Donald Trump poderia usar essa situação como moeda de troca em negociações internas no Congresso americano, como a aprovação de reformas em troca da revogação da ordem executiva. E o que pode mudar na saúde mental global?Os impactos para a OMS da saída dos EUA seriam abrangentes, em especial para a saúde mental. É parte do trabalho da OMS fortalecer os sistemas de saúde mental, saúde cerebral e uso de substâncias em todo o mundo. Ao menos desde 2001, com o marco da publicação do Relatório Mundial da Saúde intitulado “Saúde mental: nova concepção, nova esperança”, a OMS tem atuado para que a saúde mental seja reconhecida como um direito de todos, assinalando que o caminho dos sistemas de saúde mental é de substituição de hospitais psiquiátricos por serviços de saúde mental de base comunitária. Nos últimos 25 anos, a organização desempenhou um papel central na transformação do paradigma de atenção em saúde mental, oferecendo apoio técnico e institucional aos países para implementar mudanças necessárias e promover o desenvolvimento de sistemas e políticas de saúde mental alinhado aos direitos humanos, incluindo orientação para revogação de leis violadoras de direitos e criação de leis garantidoras de direitos. Na América do Sul, enquanto exemplo de países que transformaram seus sistemas de saúde mental com apoio direto da OMS, estão o Chile e o Peru; se considerarmos as recentes Iniciativas Especiais de Saúde Mental em curso, somam-se a eles a Argentina e o Paraguai. Nos últimos dez anos, a saúde mental global recebeu reforços significativos, especialmente a partir da Resolução nº 32/18, liderada por Brasil e Portugal e adotada no Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2016. A resolução reconhece que “todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal, a viver de forma independente e a ser incluídas na comunidade” e também que “ninguém deve ser submetido a torturas, penas ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes”. A partir desse diagnóstico, os Estados membros e outras agências da ONU foram convocados a integrar plenamente uma perspectiva de direitos humanos nos serviços de saúde mental e comunitários. Olhando da perspectiva da história da reforma psiquiátrica brasileira, que tem seu início no final dos anos 1970 enquanto movimento social crítico, chama atenção que apenas em 2016 foi aprovada uma resolução de grande peso afirmando os direitos das pessoas com problemas de saúde mental e necessidade de cuidado em liberdade. O Brasil, de fato, é uma liderança e referência mundial para a transformação do modelo de atenção em saúde mental. Ocorre que, mesmo com os esforços da OMS dos últimos 25 anos da OMS, muitos países ainda baseiam suas políticas de saúde mental em hospitais psiquiátricos. A partir de 2016, com o impulso gerado pela resolução e com base na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, tornou-se imperativo para os países transformar suas políticas de saúde mental, o que significa, na prática, promover liberdade e direitos para as pessoas. O trabalho da OMS para que isso ocorra é fundamental. Caso a OMS sofra impactos significativos em sua capacidade de atuação, todos os seus programas – incluindo aqueles relacionados à saúde mental – provavelmente serão afetados, em maior ou menor grau. Isso retardaria as mudanças necessárias, o que impacta diretamente na vida de pessoas que poderiam ser cuidadas em liberdade e, talvez, não serão. O que é a OMSPara refletir em profundidade sobre esse tema, também vale conhecer mais sobre o que é a OMS – até porque a alegação central da ordem executiva para retirada dos EUA baseia-se na condução política e o financiamento da OMS. Uma das principais agências da Organização das Nações Unidas (ONU), ela foi fundada em 1948 e é responsável pela coordenação de ações e respostas em saúde global, com o objetivo geral de assegurar o mais alto nível de saúde para todas as pessoas do mundo. Esse papel envolve diversas frentes de trabalho: fomentar políticas de saúde com vistas a garantir a saúde universal, coordenar respostas em emergências de saúde, apoiar a assistência em saúde nos países, erradicar doenças transmissíveis, desenvolver estratégias para enfrentar doenças crônicas, e promover pesquisas de relevância global, entre outras iniciativas. A história da OMS inclui inúmeras conquistas importantes, desde a promoção da garantia de saúde para todos até a erradicação de doenças, como a varíola. A pandemia de covid-19 tornou conhecido o papel da agência na coordenação de respostas às emergências, merecendo destaque o Fundo para Resposta Solidária e o programa COVAX: ação da OMS para garantir acesso justo e equitativo às vacinas deveria ser motivo suficiente para reconhecer a importância da organização. Como a OMS é conduzidaA OMS é, essencialmente, governada pela Assembleia Mundial da Saúde, composta por 194 países membros, incluindo os EUA — um número impressionante, considerando que a ONU reconhece 195 países no mundo. A Assembleia Mundial da Saúde, o mais alto órgão político de saúde global, realiza reuniões anuais nas quais são deliberados o programa de trabalho e o orçamento da organização. Além disso, a cada cinco anos, é eleito o Diretor-Geral da OMS. O ponto fundamental aqui é: a política da organização e seu programa orçamentário são resultado de negociações e deliberações conjuntas de todos os delegados que representam os países membros. na Assembleia Mundial da Saúde que os desafios globais em saúde são debatidos, e as formas de enfrentá-los são definidas, estabelecendo a agenda política, os objetivos de saúde e as estratégias que orientarão a OMS em sua missão de promover a saúde pública e alcançar o mais alto nível de saúde para todos. É também nesse fórum que se monitora o progresso dos programas aprovados e em andamento. Ou seja, a condução política da organização está intrinsecamente vinculada aos seus Estados membros. O mesmo se aplica ao orçamento. Nesse espaço de deliberação conjunta, os Estados membros aprovam o plano orçamentário que sustenta as operações da OMS. E como a OMS é financiada? A OMS conta com duas principais fontes de financiamento:
A definição das contribuições obrigatórias de cada Estado membro da OMS baseia-se no Produto Interno Bruto (PIB) de cada país. Essas contribuições, calculadas como uma porcentagem do PIB, seguem uma escala de avaliação (por isso o nome “contribuições avaliadas”), que é previamente acordada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e aprovada na Assembleia Mundial da Saúde. E como é definida qual é a contribuição obrigatória de cada Estado Membro da OMS? Com base no Produto Interno Bruto (PIB) de cada país. As contribuições obrigatórias são uma porcentagem do PIB do país e tem como base uma escala de avaliação (por isso o nome “contribuições avaliadas”), sendo a porcentagem acordada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e aprovada na Assembleia Mundial de Saúde. Na prática, isso significa que países com maior PIB pagam contribuições mais altas, enquanto países com menor PIB pagam valores proporcionais à sua capacidade econômica. Essas contribuições são realizadas anualmente, sempre no mês de janeiro. O que fazer?É desejável para o mundo uma possível negociação sobre a situação. A nota apresentada pela OMS é acertada ao se encerrar afirmando: “esperamos que os Estados Unidos reconsiderem e estamos ansiosos para nos engajar em um diálogo construtivo para manter a parceria entre os EUA e a OMS, para o benefício da saúde e bem-estar de milhões de pessoas ao redor do mundo.” Ministros de Saúde de outros países, como o da Alemanha, e grupos de advocacy já estão mobilizados para tentar reverter essa decisão em esforços diplomáticos. Esse é um esforço que vale a pena. Muito se discute – com razão – sobre o impacto financeiro que uma saída dos EUA causaria na OMS. Mas não é apenas por isso que empreender esforços para reverter essa decisão vale a pena. Os sistemas de saúde do mundo são mais fortes com colaboração global e com compartilhamento de informações e dados. Para garantir sistemas de saúde mais fortes e o direito à saúde para todos vale usar todo argumento possível, vale promover toda boa negociação e vale todo diálogo eficaz porque essa decisão impacta pessoas e vidas – e pessoas e vidas têm valor. Vale a pena porque tem valor todo esforço para construir um mundo em que as pessoas não morram de doenças preveníveis e com tratamentos acessíveis em razão de iniquidade social; porque tem valor todo esforço para que todas as pessoas em todos os países tenham acesso a vacinas, programas e serviços de saúde de qualidade; porque tem valor o cuidado em saúde mental em liberdade; porque tem valor todo esforço para que as pessoas simplesmente vivam melhor, e isso envolve todas as pessoas. São necessários esforços coletivos e ampliados para afirmar o multilateralismo e cooperações internacionais. É preciso uma ampla defesa da ciência e da democratização da informação. É preciso fortalecer as instituições e pactuações coletivas que priorizem e defendam o bem comum. Para encerrar, falamos sempre, no Brasil, da necessidade de defender o SUS. Mesmo sendo evidente a sua importância para promoção e garantia do direito à saúde e seu papel civilizatório, precisamos cotidianamente e com unhas e dentes defender o SUS porque, entre outras tantas disputas, está em jogo uma disputa de valores sociais. No cenário da saúde global não é diferente. É preciso empreender todos os esforços para defender o mais alto nível de saúde de todas as pessoas do mundo, sem distinções, porque os princípios da equidade, universalidade e direitos humanos são valores pelos quais vale a pena continuar lutando. | A A |
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Além de deixar OMS, presidente dos EUA interrompe assistência humanitária e de saúde no continente. Países buscam alternativas para enfrentar doenças como HIV, mpox e marburg. China, Coreia do Sul e Japão mostram-se possíveis aliados Por Kerry Cullinan, no Health Policy Watch | Tradução: Gabriela Leite Países africanos não terão “outra opção” a não ser buscar outras fontes de apoio para seus programas de saúde pública caso os Estados Unidos reduzam seu apoio. Coreia do Sul, China e Japão já ofereceram ajuda durante surtos recentes de doenças. Essa foi a declaração feita por Ngashi Ngongo, alto funcionário dos Centros Africanos de Controle e Prevenção de Doenças (África CDC), durante uma coletiva de imprensa na quinta-feira. Em seu primeiro dia no cargo, na segunda-feira (20/1), o presidente dos EUA, Donald Trump, retirou o país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e congelou toda a ajuda externa por 90 dias para “reavaliar e realinhar” o suporte oferecido. Além disso, há pressão de conservadores para que Trump corte o financiamento e reforme o Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da Aids [Pepfar, na sigla em inglês. Programa do governo estadunidense criado em 2003 para financiar e apoiar iniciativas de prevenção, tratamento e controle do HIV/aids em países de baixa e média renda, com foco principal na África]. “Algumas decisões tomadas pelo presidente Trump sobre a OMS e o Pepfar são de grande importância para a África… dado o peso do governo dos EUA no financiamento da saúde pública na região”, afirmou Ngongo, assessor principal do diretor-geral do África CDC. “Eles são um dos principais financiadores da saúde pública na África. O Pepfar financia programas de HIV em muitos países que dependem amplamente dos recursos norte-americanos”. A OMS oferece assistência técnica a países africanos para “melhorar a execução de programas de saúde”, e a retirada de recursos dos EUA será um “golpe” para o continente, acrescentou. A OMS perderá pouco menos de 20% de seu financiamento com o corte de verbas americanas. Embora os EUA sejam obrigados a notificar sua saída da OMS com um ano de antecedência, a ordem executiva de Trump orienta os funcionários a “tomarem medidas apropriadas, com a maior velocidade possível”, para “suspender a transferência futura” de “fundos, apoio ou recursos” do governo americano à OMS. Encontro sobre financiamento da saúde em Ruanda
Em 14 de fevereiro, o presidente de Ruanda, Paul Kagame, sediará uma reunião com líderes africanos sobre financiamento da Saúde, onde serão discutidas fontes alternativas de financiamento, acrescentou Ngongo. Aumentar os gastos domésticos para garantir “financiamento mais sustentável e previsível para a saúde pública”, criar um fundo africano para epidemias e identificar novas fontes de apoio são algumas das opções para preencher o vazio deixado pela saída dos EUA, disse ele. “Recebemos apoio de muitos países – da Coreia do Sul, da China, do Japão. Muitos se prontificaram a fornecer financiamento, seja em dinheiro ou equipamentos”, acrescentou. “Estamos explorando oportunidades para ampliar a mobilização de recursos desses outros países que realmente estão dispostos a ajudar”. Trump justificou o congelamento de 90 dias dizendo que a “indústria e burocracia de ajuda externa não estão alinhadas com os interesses estadunidenses e, em muitos casos, são antitéticas aos nossos valores”. Além disso, ele argumentou que essas ações “desestabilizam a paz mundial ao promover ideias em países estrangeiros que são diretamente contrárias às relações harmoniosas e estáveis dentro e entre as nações”. O novo governo dos EUA provavelmente usará os 90 dias para pressionar países em temas como aborto, direitos LGBTQIA+ e apoio à Palestina. Surto de mpox
Enquanto isso, o mpox continua a se espalhar no continente, com 5.842 novos casos relatados na última semana. A República Democrática do Congo (RDC) permanece como epicentro do surto, mas ele está se expandindo em Uganda, que relatou quatro mortes nas últimas duas semanas. O surto em Uganda, inicialmente disseminado por motoristas de caminhão, agora atinge a população em geral, segundo o epidemiologista do África CDC, Dr. Merawi Aragani. Kampala, a capital, é o epicentro, com pouco mais de 1.000 casos. Cerca de 400 mil pessoas já foram vacinadas contra o mpox. A República Centro-Africana iniciou sua campanha de vacinação neste ano. Tanzânia confirma segundo caso de marburg
Na Tanzânia, nove das dez pessoas suspeitas de infecção pelo vírus marburg morreram. Apenas duas dessas mortes foram confirmadas como causadas pelo vírus. Outros 29 casos suspeitos testaram negativo, mas Ngongo afirmou que o África CDC não tem motivos para questionar a precisão dos testes realizados no país. “Os testes estão sendo feitos no laboratório nacional de saúde pública em Dar es Salaam, que é o mais avançado do país”, disse Ngongo. “Nós confiamos nos resultados. Como sabem, a Tanzânia é um dos países que o África CDC apoiou significativamente no desenvolvimento de capacidade, melhorias na infraestrutura, fornecimento de equipamentos e distribuição de máquinas de sequenciamento. A capacidade é bastante alta no país, e tendemos a acreditar na confiabilidade dos resultados”. O África CDC mobilizou a mesma equipe de especialistas que lidou com o surto de marburg em Ruanda para ajudar na resposta da Tanzânia. Isso inclui “epidemiologistas que apoiarão o pilar de vigilância” e especialistas de laboratório “que estão auxiliando com laboratórios móveis”. | A A |
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O HIV, entre o Comércio e a SaúdeNo Brasil, são mais de 40 mil novos casos por ano. Por regras arbitrárias de “mercado” e decisões políticas equivocadas, país não tem acesso a medicamentos mais baratos. É hora de tomar um novo caminho, de compromisso real com o SUS e os brasileiros Por Susana van der Ploeg, para a coluna Saúde não é mercadoria O mais recente Boletim Epidemiológico de HIV/AIDS, divulgado em 11 de dezembro de 2024, revela que em 2023, o Brasil registrou 46.495 novos casos de HIV, o que representa um aumento de 4,5% em relação a 2022. A maior concentração de casos ocorre entre jovens de 15 a 24 anos (23,2%), adultos de 25 a 34 anos (34,9%) e homens que fazem sexo com homens (HSH) (53,6%). Além disso, a epidemia afeta de maneira desproporcional a população negra, que corresponde a 63,2% dos casos (49,7% pardos e 13,5% pretos). Entre os 10.338 óbitos registrados em 2023, 63% foram de pessoas negras, sendo 48% pardos e 15% pretos. As mulheres negras, particularmente vulneráveis, representaram 63,3% das mortes femininas e 67,4% da taxa de infecção em gestantes. Esses números refletem desigualdades sociais profundas e estruturais que persistem no Brasil e que comprimidos diários, por si só, não resolvem. O HIV/AIDS permanece um grave problema de saúde pública, marcado por desigualdades estruturais da sociedade brasileira que agravam o acesso a cuidados adequados. Nesse sentido, iniciativas como o Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente (CIEDDS) e o Programa Brasil Saudável – Unir para Cuidar são fundamentais para integrar políticas públicas que enfrentem as raízes das iniquidades sociais, ao mesmo tempo que fortaleçam os princípios fundamentais do SUS: a equidade, integralidade e universalidade. Outra política pública fundamental é a estratégia nacional do Complexo Econômico Industrial da Saúde, que tem como objetivo primordial fortalecer o SUS e ampliar o acesso universal à saúde mediante o desenvolvimento de tecnologias e a produção local de insumos, medicamentos, vacinas, biotecnológicos e dispositivos médicos. Entretanto, tais políticas públicas tendem a falhar ao ignorar mecanismos como a OMC, o Acordo TRIPS e as patentes, que perpetuam a dependência tecnológica dos países periféricos. Reduzir a vulnerabilidade e a dependência do SUS exige um enfoque específico nos monopólios farmacêuticos que fortalecem apenas as grandes farmacêuticas transnacionais. Além disso, os gestores da saúde não podem se apoiar em discursos que confiem na “boa vontade da indústria farmacêutica para considerar os limites do SUS”. Para defender e promover o SUS é necessário que os gestores da saúde adotem uma postura firme frente aos interesses do mercado, que lucra às custas da nossa população. A voluntariedade dessa indústria é incompatível com as necessidades do povo brasileiro, vejamos os casos das licenças voluntárias. A licença voluntária é um acordo entre o titular de uma patente e terceiros, permitindo a produção e comercialização de um medicamento mediante condições específicas definidas em contrato. Esse acordo pode incluir restrições territoriais, controle sobre a venda e fornecimento de insumos farmacêuticos ativos (IFAs), além de condições sobre preços e demanda. Quando ocorre em escala global, envolve múltiplos produtores e países, permitindo que diferentes fabricantes produzam e distribuam o medicamento simultaneamente em regiões específicas. O caráter “voluntário” dessas licenças decorre do fato de que sua concessão depende exclusivamente da decisão e do interesse do detentor da patente. O Brasil e seu povo têm sido sistematicamente excluídos das licenças voluntárias em escala global, como ocorreu com os medicamentos cabotegravir (GSK/ViiV) e lenacapavir (Gilead), injeções bimestrais e semestrais que se mostraram mais eficazes na profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV do que as opções atualmente disponíveis no SUS. Essas exclusões, que restringem o acesso a versões genéricas mais acessíveis, são profundamente preocupantes, especialmente à luz da expressiva contribuição brasileira nos ensaios clínicos conduzidos no país e no âmbito do SUS. Tal prática não apenas reforça desigualdades, mas também fere princípios éticos fundamentais ao negar às comunidades os benefícios diretos dos estudos nos quais participaram. Os critérios para a exclusão do Brasil são baseados nas classificações de renda per capita do Banco Mundial, que classificam o Brasil como um país de renda média alta, em vez de considerar a incidência epidemiológica. Em 2023, segundo o Banco Mundial, o Brasil com 203 milhões de pessoas, tem um PIB per capita real de US$ 9.032. Essa classificação é completamente distorcida e desconectada da realidade social do país. Esse número, embora represente a média, esconde a imensa desigualdade e a desigual distribuição de riqueza no Brasil. A renda média não reflete a dura realidade das populações mais vulneráveis, que enfrentam sérias dificuldades de acesso a serviços básicos de saúde, educação e alimentação. As licenças voluntárias são alinhadas a esse critério falso e injusto, que perpetua barreiras ao acesso universal à saúde, agravando ainda mais as desigualdades existentes. As licenças voluntárias são uma estratégia de mercado, excludente e discriminatória. Que sob o disfarce de um “plano de acesso”, reforçam o controle monopolista sobre os medicamentos e restringe o acesso universal. Com uma lógica colonialista e discriminatória, que exclui a maior parte das populações da América Latina, desconsiderando uma região onde as taxas de novas infecções estão aumentando. Isso por si só evidencia que não podemos depender dessa indústria para garantir um compromisso real com a saúde global. Se a “boa vontade” não se manifesta no cenário global, o que podemos esperar no Brasil? Vejamos o caso da licença voluntária entre a gigante farmacêutica GlaxoSmithKline/ViiV e o laboratório público Farmanguinhos-Fiocruz para a transferência de tecnologia do dolutegravir. Contrato de transferência de tecnologia que só existe porque o Brasil concedeu patente para este fármaco, que se não anulada pelo judiciário, vigorará até 2026. A licença voluntária formalizada sob uma “Aliança Estratégica” não representa um bom negócio para o SUS. Atualmente, cerca de 600 mil pessoas no Brasil dependem do dolutegravir, e, apesar da crescente demanda de mais de 40 mil pessoas por ano, o Ministério da Saúde o adquire por um preço exorbitante, cerca de 20 vezes maior que o genérico disponível no mercado internacional. A patente do dolutegravir é a principal barreira à entrada de concorrentes genéricos, mantendo os preços elevados. Esse contrato de transferência de tecnologia carece de transparência e não explica por que o Brasil paga anualmente 800 milhões de reais a mais por esse medicamento. Além do custo elevado, o medicamento continua sendo integralmente importado da GlaxoSmithKline (GSK), com etapas de produção realizadas no Reino Unido, Espanha e Polônia. O contrato foi firmado em 2020, mas, até o momento, não houve avanços concretos para a fabricação local, perpetuando a dependência do Brasil de fornecedores internacionais. Esse cenário é um claro desvio da finalidade pública, pois os laboratórios públicos, como o Farmanguinhos-Fiocruz, deveriam atender às necessidades de saúde da população e promover a produção nacional de medicamentos essenciais. Em vez disso, estão sendo utilizados para atender ao interesse de grandes empresas farmacêuticas, resultando em uma subordinação aos interesses do mercado, em detrimento da saúde pública e da soberania nacional. A lógica de mercado da indústria farmacêutica tem um impacto direto na vida das pessoas e não pode ser a principal força orientadora para atender às necessidades de saúde da população. O alto preço do dolutegravir é um exemplo claro de como o lucro das grandes farmacêuticas prevalece sobre o direito à saúde. Um único medicamento, com preço elevado e monopolizado por uma única empresa, sobrecarrega de forma desproporcional o orçamento do SUS e ameaça a sustentabilidade do acesso universal. Isso compromete a capacidade do sistema de saúde de oferecer tratamentos e de incorporar inovações seja para o HIV/AIDS como para outras doenças e condições, afetando diretamente aqueles que também dependem do SUS. Para garantir o acesso contínuo a tratamentos necessários e fundamentais, é imprescindível adotar medidas legais, como as licenças compulsórias, que assegurem como prioridade o bem-estar da população e não os interesses financeiros das grandes farmacêuticas. Não podemos esperar pela “boa vontade” do mercado, o Papai Noel não chega para todas as crianças e em todas as casas. Mas podemos reafirmar a solidariedade, a importância da luta coletiva, da coalização entre sociedade civil e governo para com coragem, ousadia e alegria desafiar os interesses corporativos e priorizar a saúde pública. Por isso é sempre importante relembrar o discurso de Lula em 2007 na assinatura do decreto de licença compulsória do efavirenz: “O Brasil não pode ser tratado como se fosse um país que não pudesse ser respeitado. (…) Se não tiver com os preços justos, não apenas para nós, mas para todo ser humano no planeta que está infectado, temos que tomar essa decisão. Afinal de contas, entre o nosso comércio e a nossa saúde, vamos cuidar da nossa saúde”. O ano de 2025 está à porta, trazendo a oportunidade de reconstruirmos caminhos. O Brasil pode e deve fazer melhor. Saúde a todo o povo brasileiro em 2025! | A A |
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Por que são os jovens que adoecem?Dossiê da Fiocruz revela: mito de “vigor” e “potência empreendedora” da juventude oculta uma epidemia de doenças físicas e psíquicas. Causa essencial: trabalho exaustivo e rebaixado, que bloqueia o desfrute da vida. Agora, o VAT dá às vítimas a chance de lutar Rick Azevedo, vereador recém-eleito no Rio e um dos líderes nacionais do Vida Além do Trabalho (VAT) sempre acentua como sua saúde foi afetada pela escala de trabalho 6×1. Arrola as consequências do sofrimento mental e emocional que atingem os trabalhadores submetidos anos a fio a ela, como esgotamento, depressão e burnout, o que também ecoa nas respostas de seus seguidores e nos cartazes de mobilização do movimento. Um relato publicado em seu Instagram sobre uma panfletagem realizada em setembro de 20241 dá uma pista de como se processa a identificação e adesão de trabalhadores vivendo a mesma situação (ou, como assinala Rick, a mesma dor):
Esse impacto do trabalho intensivo sobre a saúde dos jovens já vem se anunciando também em outros espaços de escuta. Em uma pesquisa do Conselho Nacional de Juventude sobre as percepções dos jovens na pandemia da Covid19, descortinou-se a sobrecarga e a exaustão dos jovens diante da sobreposição de diferentes tarefas e responsabilidades assumidas por eles, incluindo as do trabalho: mais de metade dos 68 mil respondentes disseram que se sentem sobrecarregados e exaustos (sobretudo as jovens mulheres, entre as quais cerca de 2/3 manifestam tais queixas), além de altas parcelas dos que disseram passar por situações de ansiedade, insônia, depressão e pensamento suicida2. Os materiais de comunicação do VAT expressam situações como cansaço e esgotamento, ansiedade e frustração, estresse, irritabilidade e perda de apetite, provocadas pela escala exaustiva. As queixas apresentadas reforçam o entendimento de que o trabalho é um determinante social da saúde. Ou seja, as condições em que ele é exercido impactam na saúde mental e física dos trabalhadores. Constata-se que a contundência da manifestação do movimento conflita diretamente com a representação comum que circula na sociedade de que, por estarem em sua plena capacidade vital, os jovens têm energia suficiente para ser dispendida com a intensidade e a velocidade exigidas pelas determinações de produtividade do mercado. Além de atender a essa exigência, devem assumir múltiplas funções. A flexibilidade, a disposição e a potência juvenil são aspectos romantizados que ocultam a realidade de que parcela significativa dos jovens atuam nos piores empregos, inclusive os assalariados, com jornadas exaustivas e em condições insalubres, sujeitos a acidentes e com salários rebaixados, sem uma política ativa de proteção, de fiscalização e de trabalho decente, comprometendo a sua condição de saúde. Com a atenção voltada para esse tema, a Agenda Jovem da Fiocruz, em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, preparou um estudo que resultou na construção de um Dossiê sobre a Saúde dos Jovens Trabalhadores. Neste documento,3 podemos encontrar a revelação de que os jovens são o segmento etário mais afetado pelos agravos na saúde provocadas pelo trabalho. Cerca de um terço de todos os acidentes de trabalho registrados no SUS entre 2016 e 2022 atingiram jovens. Dos acidentes de trânsito ocorridos com pessoas entre 25 e 29 anos, notoriamente uma das principais causas de mortalidade e lesões incapacitantes nessa faixa etária, 43% estão relacionados com o trabalho exercido pelas vítimas. Metade dos jovens ocupados encontram pelo menos um elemento nocivo à saúde em seu ambiente de trabalho. As queixas do VAT sobre esgotamento e frustração corroboram os dados sobre os transtornos mentais4 relacionados ao trabalho notificados no Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN). No período de 2016 a 2022, foram notificados 10.350 casos de transtornos mentais relacionados ao trabalho, sendo 1.908 em pessoas na faixa etária dos 15 aos 29 anos (18,43% do total das notificações). Mais de metade (53,4%) das notificações foi de pessoas registradas com carteira assinada. Os jovens trabalhadores de serviços administrativos compõem o grupo com as maiores notificações e, na sequência, os jovens trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados. Esses dados nos dão uma pista para entender por que e como o tema da saúde mental tornou-se em poucos anos crucial para pessoas jovens. Ao lado dos sempre alegados problemas de isolamento e de desengajamento como fonte de sofrimento emocional, encontramos problemas de exaustão, assédios, tensões produzidas pelas exigências de desempenho, que resultam também em agravamentos da saúde mental. Essas informações, estratificadas para a faixa de 15 a 29 anos retiradas dos Sistemas de Informação em Saúde, são ilustrativas e indicativas do tamanho do problema, que deve ser ainda maior, pois uma constatação importante do dossiê é a subnotificação de casos ocorridos e não registrados. Um exemplo é o fato de que, no Sistema de Informação Hospitalar (SIH), em 99,99% dos casos de internação de jovens, a informação sobre sua ocupação não foi preenchida, o que nos impede de compreender o quanto tais internações podem ser relacionadas a sua condição de trabalhadores. A falta de registros adequados dificulta a correta avaliação dos impactos das jornadas e condições de trabalho dos jovens sobre sua saúde física e mental, e é preciso encontrar caminhos para superar essa deficiência nos mecanismos da importante base de dados do sistema de saúde. Os jovens adoecem, mas não param: a última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019, nos dá a informação de que apenas 4,9 % dos jovens adultos (18 a 29 anos) interrompem atividades em função de problemas de saúde, bem menos do que acontece com as pessoas das demais faixas etárias (8,1% na população total). E poucos obtêm cuidados: apenas 10,8% dos jovens fazem reabilitação em caso de diagnóstico elegível. Pode-se concluir pela existência de diferentes tipos de obstáculos de acesso aos serviços de saúde: 25% dos jovens que responderam à pesquisa afirmaram ter dificuldades em conseguir atendimento médico no serviço de saúde; a faixa etária de 18 a 29 anos é a que menos consulta médicos. A realidade da condição juvenil no mundo do trabalho parece não encontrar resposta em redes de cuidado integral, de assistência, proteção e promoção da saúde. A despeito da existência do Estatuto da Juventude, sancionado em 2013 e que trata dos direitos da população jovem entre 15 e 29 anos, a orientação para políticas de saúde no Brasil relativas à população jovem utiliza os parâmetros internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e se concentra na categoria adolescente5. Em decorrência, há insuficiente apreensão das necessidades em saúde dos segmentos jovens maiores de 18 anos, que já estão inseridos no trabalho. O último documento oficial de caráter nacional orientador para a saúde da população jovem foi publicado em 2010 (Diretrizes Nacionais de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens) e não trata da dimensão do trabalho como constitutiva da realidade juvenil. Quando cita explicitamente a faixa etária dos jovens para além dos adolescentes é pelo viés da produtividade, perspectiva comum a toda a produção dos organismos multilaterais naquele período, preocupados em aproveitar a existência de um bônus demográfico para impulsionar o crescimento do país, “utilizando como força motriz a maior população de jovens da sua história”, como ecoa ainda hoje o documento que pretende reunir os diagnósticos e proposições “atualizadas” sobre os jovens do Brasil (Atlas das Juventudes, 2022 p. 10). É a mesma perspectiva que, tomando os jovens como um dos “principais ativos” da sociedade, propõe uma agenda de “programas eficientes e eficazes de capacitação para o mercado de trabalho, com ênfase na produtividade futura dos trabalhadores” e com “políticas complementares relativas a empreendedorismo tanto em aspectos de capacitação quanto de financiamento”, como afirma documento do Banco Mundial de 20186. O documento também afirma que é preciso avançar nas “reformas” que diminuam a regulação do mercado de trabalho, “introduzindo ajustes referenciados a mudanças na produtividade dos trabalhadores, maior flexibilidade e um salário-mínimo legal mais baixo para os jovens.” Tais diretrizes acabaram se impondo como referências principais de muitos atores do atual campo das políticas públicas de juventude e estão reproduzidas em diferentes planos de políticas governamentais desde o golpe de 2016, como fica mais explicito no Plano Nacional de Empreendedorismo e Start Up lançado pela Secretaria Nacional de Juventude em 2017, assim como em vários programas oferecidos por institutos e fundações empresariais para serem desenvolvidos através de parcerias público-privadas com governos estaduais e municipais Em julho de 2024, abriu-se uma consulta pública para uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens. A minuta do documento avança ao incorporar a população até 29 anos com base no Estatuto da Juventude. Contudo, trata do trabalho na vida dos jovens pelo viés clássico da juventude como uma mera fase de transição, trazendo referências ao “projeto de vida”, reforçando uma sequência idealizada onde os jovens se deslocariam da conclusão de sua escolaridade básica para o mundo do trabalho. Não se constitui como foco de atenção a situação de saúde dos jovens que já trabalham, dos agravos ocorridos a partir da ocupação e quais as estratégias de promoção, vigilância, proteção, atenção e recuperação à saúde devem ser acionadas. É uma expectativa se algo mais profundo e conectado à realidade em relação à saúde de jovens trabalhadores estará incluído na publicação do texto final da política. Cabe recordar que a possibilidade de conciliação das jornadas dos jovens nas diferentes dimensões da vida, de modo que uma não anule a outra, é um dos eixos estruturantes da Agenda do Trabalho Decente para Juventude, elaborada e lançada no segundo governo Lula, e desenvolvida durante o governo Dilma na forma de um Plano Nacional, interrompido pelo golpe de 2016. Nesse sentido, assim como existe a necessidade de que o setor da saúde compreenda a diversidade etária no interior da juventude, inclua em seus diagnósticos a identificação das necessidades de saúde dos jovens de todas as idades e encontre os jovens trabalhadores, também é fundamental retomar uma agenda de trabalho decente, de maneira a responder aos anseios da juventude trabalhadora, que o VAT conseguiu expressar de maneira tão cristalina. A notável repercussão e mobilização alcançada por esse movimento demonstra que esses jovens souberam dar voz a uma queixa amplamente sentida, materializando uma demanda geral por uma outra relação com o trabalho, outras condições de exercício e outro equilíbrio do tempo do trabalho na vida. Como se surpreende o próprio Rick Azevedo: “Jamais imaginei que minha dor, meu sofrimento, de 12 anos na escala 6X1 iria se transformar em uma luta necessária e urgente que vai beneficiar toda a classe trabalhadora no país.” Não é possível prever os desdobramentos desses acontecimentos, mas já é possível afirmar que novos personagens entraram em cena e que a pauta dos direitos do trabalho se recolocou no centro da disputa a partir dessa luta. Se a posição e perspectiva dos seus protagonistas prevalecer, o debate não poderá girar em torno dos custos para os empregadores ou do comprometimento da produtividade da economia. O que está em jogo, o que ecoa do grito lançado por eles, é o prejuízo desse modelo de trabalho sobre a vida e a saúde dos trabalhadores. É o momento de reafirmar uma agenda de direitos com um eixo que possa pôr em relevo a necessidade de cuidar dos jovens na sua condição de trabalhadores, e de sua saúde, física e mental, em vez de apenas exortá-los como os responsáveis pelo aumento da produtividade e de crescimento econômico do país. Uma agenda que afirme a possibilidade de que todos possam “trabalhar para viver, e não viver para trabalhar”. | A A |
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O perigo de Trump para a saúde dos EUA
Além de ter escolhido secretário antivacinas, o futuro presidente planeja desfinanciar o Obamacare, abrir ainda mais espaço para as empresas e dificultar o acesso ao aborto. Órgãos internacionais podem perder apoio – e extermínio de palestinos seguirá…
Por Candice Choo-Kang, no People’s Health Dispatch | Tradução: Gabriela Leite
A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos em 2024 tem levantado muitas preocupações – e a questão da saúde é uma das principais. Profissionais de saúde temem o impacto de uma segunda presidência de Trump no acesso aos cuidados de saúde e na saúde das populações marginalizadas. Entre os temores estão a liderança das agências governamentais de saúde, o acesso aos seguros, as restrições à saúde reprodutiva e aos cuidados de afirmação de gênero.
Uma das maiores preocupações é a figura de Robert F. Kennedy Jr. e o papel que desempenhará na política de saúde pública em sua busca para “Tornar a América Saudável Novamente”. Foi noticiado inicialmente que Kennedy estava recomendando nomeações para o cargo de secretário de Saúde e Serviços Humanos (HHS) e comissário de Alimentos e Medicamentos. Em 14 de novembro, Trump anunciou que Kennedy Jr. será, ele mesmo, o secretário do HHS.
Ele é conhecido por seu discurso agressivo contra a vacinação e por promover informações falsas ligando vacinas ao autismo. O futuro secretário tem recomendado que o flúor, um mineral natural que previne a cárie dentária, seja removido do fornecimento de água potável dos Estados Unidos, pois acredita que se trata de uma neurotoxina associada a “artrite, fraturas ósseas, câncer ósseo, perda de QI, distúrbios neurodesenvolvimentais e doenças da tireoide”.
No entanto, além das preocupações com a má liderança, ativistas da saúde estão preocupados com o modo como as mudanças estruturais propostas podem limitar ainda mais o já desigual sistema de saúde do país.
O que esperar dos seguros de saúde e da dívida médica?
Durante a campanha presidencial de Trump para seu primeiro mandato, ele havia prometido revogar a Lei de Cuidados Acessíveis (ACA, na sigla em inglês, também conhecida como Obamacare), mas não teve sucesso. Durante a campanha de 2024, o futuro presidente enfatizou que não revogaria, mas tornaria a ACA “muito, muito melhor e com muito menos dinheiro”.
Independentemente da administração, no entanto, os Estados Unidos simultaneamente ocupam a posição de um dos países mais ricos do mundo e de um dos que apresentam os piores indicadores de saúde, em comparação com outros países – particularmente no hemisfério norte. Esse não é um fenômeno novo: tem sido uma característica do país por décadas. Virtualmente todos os outros países do Norte Global oferecem cobertura de saúde mais abrangente a um custo mais baixo.
Entre as fraquezas do sistema de saúde dos Estados Unidos estão os altos custos com despesas diretas dos pacientes e a ineficiência devido à sua complexidade única e extrema. Com base no Censo dos Estados Unidos de 2021, 20 milhões de pessoas têm algum tipo de dívida médica, somando mais de 220 bilhões de dólares. O sistema dos EUA valoriza o lucro mais do que a saúde – verdadeira razão para a inacessibilidade dos cuidados de saúde no país. Ainda assim, o vice-presidente eleito JD Vance prometeu que a administração aumentaria a “competição nos mercados de saúde”, um termo usado para mascarar a sanha por lucro da indústria de saúde.
Justiça reprodutiva e de gênero
Possivelmente, um dos legados mais duradouros do primeiro mandato de Trump foi sua influência sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos. Os juízes da Suprema Corte têm nomeações vitalícias, e Trump nomeou 3 dos 9 assentos para Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett durante seu primeiro mandato. Isso levou a uma maioria conservadora na corte, que gerou muitas consequências – incluindo a revogação de Roe v. Wade em 2022. Essa mudança encerrou a proteção federal ao aborto e causou a sua criminalização em alguns estados.
Durante a primeira presidência de Trump, sua administração restringiu muitas clínicas que recebiam fundos federais do Título X de fornecer encaminhamentos e informações sobre abortos. Trump afirmou que não usaria legislações como o Comstock Act para proibir o aborto medicamentoso (por exemplo, mifepristona), mas o acesso a tais medicamentos continua vulnerável. Por outro lado, embora a administração Biden tenha afirmado apoiar o direito ao aborto, não tomou medidas substanciais para proteger o acesso (por exemplo, descriminalização, financiamento de abortos em terras/edifícios federais). Todos esses ataques tiveram efeitos devastadores, incluindo um aumento de 7% na mortalidade infantil nos Estados Unidos.
O primeiro mandato de Trump também gerou novos ataques à saúde LGBT+ e aos cuidados de afirmação de gênero. Na Ordem Executiva 13.798, intitulada “Promovendo a Liberdade de Expressão e a Liberdade Religiosa”, Trump permitiu que os profissionais de saúde negassem atendimento a pessoas LGBT+ com base em “objeções baseadas na consciência”. A administração Biden reverteu algumas dessas políticas, com efeito a partir de março de 2024. No entanto, sob a administração Biden, as leis estaduais têm permitido que esse tipo de cuidado seja atacado de forma agressiva – como visto em Ohio, onde as leis que proíbem o cuidado de afirmação de gênero para menores foram mantidas.
A saúde dos imigrantes e a saúde global
Em 2023, os imigrantes representavam mais de 14% da população dos Estados Unidos, totalizando mais de 47 milhões de pessoas. Após o fim da política de fechamento das fronteiras de Trump (Título 42), a administração Biden provocou um enorme influxo de migrantes a entrar nos Estados Unidos. Recursos, incluindo cuidados de saúde, não foram fornecidos adequadamente pelos governos federal, estadual ou municipal para aqueles que chegavam. Ambas as administrações desencorajaram as pessoas, particularmente aquelas vindo da América Central, a entrar nos Estados Unidos, ignorando o papel direto do país na desestabilização de países do Sul Global e, assim, forçando a migração.
Além disso, no que diz respeito à saúde global, Trump havia restaurado a Política da Cidade do México, que impede que os fundos dos EUA apoiem organizações que promovem ou fornecem aborto. Trump também retirou os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma decisão revertida pelo governo Biden.
Ambas as administrações foram fervorosas defensoras da guerra e são responsáveis pela morte de centenas de milhares, como exemplificado pelo atual genocídio do povo palestino. Israel tem atacado hospitais e trabalhadores da saúde, e destruiu o sistema de saúde de Gaza. Trump, um defensor de Israel, não se oporia a esses crimes de guerra e provavelmente apoiaria a anexação e o reinado de terror na Cisjordânia também.
Trump parece determinado a usar seu segundo mandato para causar grandes retrocessos no já desigual sistema de saúde privatizado dos Estados Unidos. Enquanto milhões lutam para acessar os cuidados e o apoio de que precisam, as políticas de Trump irão aprofundar ainda mais essas desigualdades.
Fonte Portal Membro Outras Palavras
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